Desmilitarização: Saiba como o governo Lula está encarando esse desafio

28/01/2023 15:33

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Istoé

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Os ataques terroristas de 8 de janeiro na Esplanada dos Ministérios e as suspeitas de que as Forças Armadas — em especial, o Exército — foram lenientes com os criminosos fizeram o presidente Lula acelerar o passo para resolver duas questões fundamentais para sua governabilidade: a desbolsonarização das Forças e a desmilitarização da administração pública federal. A troca no comando do Exército, no sábado, 21, foi uma demonstração de força do petista.

Quem assume o posto é o general Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, em substituição ao general Júlio César de Arruda. A gota d’água para que Lula se decidisse pela demissão de Arruda foi a resistência do oficial ao pedido do ministro da Defesa, José Múcio, para que o tenente-coronel Mauro Cid fosse retirado do comando do 1o Batalhão de Ações e Comandos (BAC) de Goiânia (GO). Mauro Cid atuou como ajudante de ordens de Jair Bolsonaro durante o governo passado e também tem ligações pessoais com ele. Seu pai, o general Mauro César Lourena Cid, foi colega do ex-presidente no início da vida militar dos dois e, em 2019, foi indicado para a coordenação do escritório da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), em Miami.

O ex-ajudante de ordens atualmente está na mira da Polícia Federal, que investiga transações suspeitas realizadas com o cartão corporativo da Presidência durante o governo Bolsonaro. No final do ano passado, Mauro Cid viajou para a Flórida com o ex-presidente. Lula não queria o ex-braço direito de Bolsonaro no BAC porque o grupo ocupa uma importante posição estratégica: “É um batalhão ‘ponta de lança’, uma tropa de elite preparada para entrar em combate imediatamente”, explica um oficial ouvido pela reportagem. A suspensão da nomeação de Cid para o posto foi efetivada na terça, 24, pelo general Tomás. Antes disso, já havia um mal estar entre Lula e o general Arruda — José Múcio definiu a situação como “fratura na confiança”.

“A troca do comando do Exército traz um ganho importante para o presidente”, avalia Igor Acácio, doutor em ciência política pela Universidade da Califórnia e pesquisador da Universidade Tulane. “É uma demonstração de força: Lula está exercendo seu papel de comandante em chefe das FFAA”. O especialista em relações civis-militares lembra que, no Brasil, quando há crises entre militares e ministros da Defesa civis, quem perde no cabo de guerra geralmente é o ministro. “Mas desta vez não foi isso que aconteceu: quem caiu foi o comandante do Exército, que foi substituído no cargo por alguém que tem a confiança do presidente e do ministro da Defesa.”

“Internamente, a troca no comando do Exército foi um susto”, relata, sob reserva, um oficial ouvido pela reportagem. “Ninguém esperava.” O passo dado por Lula, porém, teve efeito pedagógico: fez chegar aos soldados que ele está no comando e disposto a promover o enquadramento de quem oferecer resistência. A mesma mensagem para a tropa foi passada pelo novo comandante. Ao suspender a nomeação de Mauro Cid para o BAC, o general Tomás deixou claro seu alinhamento com o presidente no sentido de que não será tolerado o envolvimento de militares na política. O Alto-Comando do Exército estaria, assim, agindo para que a Força possa se refazer internamente, o que contribuiria para o reestabelecimento da ordem na caserna. Se houve quebra da disciplina, é porque o próprio presidente Bolsonaro incitava os militares. O mea culpa, no entanto, não vai muito além disso: continua sendo assunto tabu o fato de o governo Bolsonaro ter sido coalhado de generais, inclusive da ativa. A única conduta reprovada de forma unânime por seus pares é a do ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que literalmente subiu no palanque de Bolsonaro.

“É fundamental promover reformas para devolver os militares a seus lugares e efetivar o controle democrático civil das Forças Armadas” Igor Acácio, cientista político e especialista em relações civis-militares

O governo também vem aumentando o ritmo de dispensa dos militares que se aboletaram em cargos civis da administração pública federal nos últimos quatro anos. Não se sabe ao certo quantos são — o número pode passar de 6 mil, estima o Tribunal de Contas da União (TCU). “É fundamental promover reformas para devolver os militares a seus lugares e efetivar o controle democrático civil das Forças Armadas”, explica o pesquisador Igor Acácio. Para isso, segundo ele, é preciso, entre outros pontos, rever a possibilidade de que militares da ativa ocupem cargos civis. “Não é bom que os militares se desviem de sua atividade-fim”, afirma.

“O Brasil tem desafios estratégicos importantes, nos quais as FFAA têm um papel: a defesa da Amazônia e da nossa costa, que são questões de segurança internacional.” Ele também aponta para a necessidade de punir militares da ativa que se manifestem politicamente e de fortalecer o Ministério da Defesa. “O Poder Executivo precisa ter, em seus quadros, especialistas em Defesa que sejam civis, para que eles possam orientar o governo. Assim, os militares não serão mais a única fonte de informação que os civis têm sobre as suas questões internas”, explica. A despeito da crise, o governo Lula tem diante de si a chance de recolocar as Forças Armadas no prumo. É o que diz um militar ouvindo pela reportagem: “Vai ser duro, pode levar tempo, mas será preciso enquadrar os espíritos”.

Primeira Edição © 2011