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É advogado.

O indiscutível alcance da garantia da impenhorabilidade do bem de família

26/09/2013 10:44

A legislação brasileira considera impenhorável imóveis que se destinem à moradia como forma de firmar amparo à família. A própria constituição Federal já estabelece tal garantia ao assegurar, na qualidade de direito fundamental do cidadão, a sua proteção especial pelo Estado, lastreada nos significados da dignidade da pessoa humana (incisos II e III, do art. 1º, art. 6º e art. 226, da CF).

Isto não é erigido à toa. De fato, o domicílio pessoal, como pressuposto do direito à moradia, possui contornos de inviolabilidade – ainda que parcial, dada as exceções previstas na forma constitucional, servindo de local de reserva, intimidade, descanso e asilo ao cidadão. Aliás, a moradia é sinônimo de cidadania já que sublinha, verdadeiramente, o guarnecimento institucionalizado da família como alicerce da sociedade, sendo reflexo do regime consolidado pelo Estado Democrático de Direito.

Consubstanciando nesses caracteres, o imóvel residencial reservado à moradia da família se reveste de impenhorabilidade, não podendo o mesmo responder por dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza desde que contraída pelos cônjuges, pais ou filhos e que os mesmos nele residam, salvo as exceções legais. Eis, aqui, o propósito da Lei nº. 8.009/90: assegurar o direito à moradia pela família. Importante ressaltar, no entanto, que, para efeito legal, apenas é considerado como bem de família um único imóvel e que o mesmo seja destinado à moradia permanente.

Ocorre que, em muitas ocasiões, imóveis ocupados por um único indivíduo acabam sendo objeto de ordens de constrição patrimonial (penhora), exigindo, a partir daí, um trabalho de interpretação mais justo e equânime a fim de não se impor limitações descabidas pela mera aplicação mecânica ou seca dos enunciados da lei.

Não há como negar que a intenção da Lei nº. 8.009/90 foi o de proteger o asilo da família. Todavia, restringir o alcance normativo da lei ao conceito objetivo de família ou entidade familiar não revelaria a autêntica pretensão do Direito em fomentar aos indivíduos – não apenas aqueles incluídos num determinado arranjo familiar, condições de subsistência com dignidade e com certa qualidade de vida.

Desse modo, o alcance da norma se expressa além do liame conceitual de família, abarcando outros indivíduos que, por circunstâncias especiais, vivam sem parceiras afetivas (filhos, cônjuges ou companheiros).

Com essa linha de raciocínio, a jurisprudência do país já sinaliza ao reconhecimento da garantia da impenhorabilidade de imóveis residenciais ocupados por pessoas solitárias, incluindo aí os indivíduos solteiros, divorciados e viúvos. É o caso do julgado no REsp 450989/RJ, do Superior Tribunal de Justiça: “PROCESSUAL – EXECUÇÃO – IMPENHORABILIDADE – IMÓVEL – RESIDÊNCIA – DEVEDOR SOLTEIRO E SOLITÁRIO – LEI 8.009/90. - A interpretação teleológica do Art. 1º, da Lei 8.009/90, revela que a norma não se limita ao resguardo da família. Seu escopo definitivo é a proteção de um direito fundamental da pessoa humana: o direito à moradia. Se assim ocorre, não faz sentido proteger quem vive em grupo e abandonar o indivíduo que sofre o mais doloroso dos sentimentos: a solidão. - É impenhorável, por efeito do preceito contido no Art. 1º da Lei 8.009/90, o imóvel em que reside, sozinho, o devedor celibatário” (EREsp 182.223-SP, Corte Especial, DJ de 07/04/2003). (BRASIL. STJ. 3ª TURMA, REsp 450989/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Data do Julgamento 13/04/2004, DJ 07/06/2004. p. 217). Aplicar a lei, neste viés, exige bom senso e sensibilidade do julgador.

O entendimento está tão consolidado que o próprio STJ editou verbete sumular que traduz bem essa ideia: “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas” (Súmula nº. 364).

É óbvio que, em todo o caso, as hipóteses de exceção à impenhorabilidade hão de ser observadas (para satisfação de créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; de crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato pelo titular; para pagamento de pensão alimentícia; para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens; e por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação), respondendo, assim, o patrimônio do devedor mesmo em se tratando do único imóvel residencial destinado à moradia.

Portanto, não é apenas a família/entidade familiar que se torna protegida pela lei; pelo contrário, a aplicação legal deve estar atenta sempre ao verdadeiro ideal de justiça, socorrendo todos aqueles que dela careçam, com o implemento efetivo de dignidade e de cidadania.
 

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O direito dos ex-empregados à permanência nos planos privados coletivos de saúde

09/07/2013 09:53

Como forma de proporcionar melhores condições de trabalho, aspirando a maiores ganhos dentro do sistema produtivo, diversas empresas, no país, vem realizando inclusão de seus empregados em seguros coletivos por meio de entidades privadas de plano de saúde.

 O propósito é oferecer assistência à saúde que lhes proporcionem cobertura de serviços destinados à prevenção e recuperação de doenças, permitindo que esses empregados exerçam as suas atribuições funcionais sem qualquer espécie de contingência apta a redundar paralisação das atividades desenvolvidas pela empresa ou, até mesmo, evitar incrementos financeiros nos cofres do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) com afastamentos laborais indesejados.

Nesses planos coletivos – que são muito convenientes tanto para os empregados quanto para as empresas, há rateio das mensalidades para a manutenção dos serviços, dividindo os ônus financeiros. Assim, para o custeio dessa cobertura, o empregado participa com descontos em seu salário e o empregador contribui com sua parcela patronal.

Com a concessão da assistência à saúde através de planos coletivos (ou empresariais), o ganho acaba sendo de todos, já que os trabalhadores, neste aspecto, ficam acobertados em face de qualquer eventualidade danosa a sua capacidade laboral, além de favorecer a continuidade das ações empreendidas nos setores de produção e na própria economia.

Ocorre que, em muitos casos, os empregados, quando demitidos sem justa causa ou aposentados, são desvinculados dos planos de saúde por ato unilateral das operadoras numa atitude flagrantemente ilegal e desrespeitosa. As desculpas são várias (e infundadas), o que agride o direito do usuário em se manter como beneficiário desses serviços, sobrepondo os interesses de ordem patrimonial dessas instituições, que visam apenas à angariação de lucros, sempre crescentes neste ramo, aos do consumidor que fica a reboque do poder econômico alheio.

Nestes casos, a Lei nº. 9.656/98 – que dispõe sobre planos e seguros privados de assistência à saúde no Brasil, faz previsão, em seu art. 30, da possibilidade da permanência do empregado, desvinculado por rescisão sem justa causa ou por aposentadoria, na cobertura ofertada pelo plano privado coletivo de saúde, desde que fique assumido também o pagamento da parcela que anteriormente cabia à empresa. A despeito da expressa disposição legal neste sentido, as operadoras de planos de saúde negam o direito do ex-empregado, ferindo o seu direito fundamental da saúde, assegurado constitucionalmente, mais ainda agravente em se tratando de usuários portadores de doenças crônicas, de idade avançada e aposentados.

Sem dúvidas, a intenção da lei se fundou em não deixar desamparados, ao menos por um período, os ex-empregados de plano privado coletivo de assistência de saúde, assegurando-lhes o mínimo de dignidade.

Sobre o assunto, há decisão do Superior Tribunal de Justiça que abarca o entendimento de que é direito dos ex-empregados, nas circunstâncias referidas, em se manter, como beneficiário do plano privado de saúde, dentro das mesmas condições daquelas usufruídas à época da vigência do vínculo empregatício:"AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. EMPREGADO DEMITIDO.PRETENSÃO À PERMANÊNCIA EM PLANO DE SAÚDE OFERECIDO PELA EMPRESA.DIREITO PREVISTO NO ART. 30 DA LEI N.º 9.656/98. 1. - 'O art. 30 da Lei n.º 9.656/98 confere ao consumidor o direito de contribuir para plano ou seguro privado coletivo de assistência à saúde, decorrente de vínculo empregatício, no caso de rescisão ou exoneração do contrato de trabalho sem justa causa, assegurado-lhe o direito de manter sua condição de beneficiário, nas mesmas condições de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma também o pagamento da parcela anteriormente de responsabilidade patronal.' (REsp 820.379/DF, Rel. Min. NANCYANDRIGHI, Terceira Turma, DJ 6/8/2007) 2. - Agravo Regimental improvido". (BRASIL. STJ. 3ª Turma. AgRg no AREsp 152.667/SP. Rel. Min. Sidnei Beneti Data de Julgamento 19/06/2012. Data de Publicação 25/06/2012).

Dessa maneira, verificada a recusa ilegal e abusiva da operadora do plano privado coletivo de assistência à saúde na manutenção da qualidade de beneficiário, é perfeitamente possível o ajuizamento de ação com a finalidade de obrigá-la a proceder ao retorno da cobertura do ex-empregado, demitido por justa causa ou aposentado, nas mesmas condições aplicadas à égide do contrato de trabalho. Além disso, cabe também indenização pelos danos morais e materiais por conta, neste último caso, de despesas contraídas no tratamento de doença, realização de procedimentos médicos ou mesmo pelo pagamento de outro plano de saúde.

Importante ressaltar, por fim, que a permanência como usuário do plano privado coletivo é relativa para os casos de empregados demitidos por justa causa, submetendo-se à regra do período de manutenção correspondente a 1/3 (um terço) do tempo de efetivo trabalho, limitado, em todo caso, ao prazo máximo de 24 (quatro meses) e assegurado o mínimo de 6 (seis) meses (§ 1º, do art. 30, da Lei nº. 9.656/98).
 

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Culpa da operadora de telefonia não enseja o pagamento de multa na rescisão antecipada

17/06/2013 08:52

A cobrança de multa pelo cancelamento antecipado de serviços contratados constitui, nos dias de hoje, prática bastante desrespeitosa, adotada, indiscriminadamente, pelas operadoras de telefonia no país. Consumidores insatisfeitos pela forma defeituosa e habitual por que são prestados os serviços acabam manifestando o interesse de não mais haver relação contratual – o que é óbvio –, ensejando a aplicação de multa pela rescisão dentro do prazo de fidelização.

Todavia, a exigência do pagamento de multas (tecnicamente denominadas de cláusulas penais) é incompatível com a essência do espírito protecionista abarcada pela legislação. As relações de consumo, atualmente, são complexas e implicam a análise sistemática e finalística das autênticas intenções do Direito.

Os consumidores dispõem de acervo legal que lhes outorgam prerrogativas especiais, vez que a igualdade de condições (jurídicas e/ou econômicas), consubstanciada pelo anseio da preponderância da equivalência material em detrimento da clássica concepção de autonomia da vontade das partes, afasta-se para bem longe da realidade fatídica dos liames constituídos com os fornecedores de bens e serviços neste país.

Não são raros os relatos de consumidores que passam horas a fio, tentando solucionar “problemas técnicos”, muitas vezes criados pelas próprias operadoras de telefonia, sem repostas rápidas, contundentes e práticas a respeito, isso sem falar da (pouca) informação, quando repassada, sem clareza e precisão. O descaso é a regra. E o pior é que também as entidades instituídas regimentalmente para a fiscalização vendam os olhos – a Anatel é um bom exemplo, evidenciando que a indiferença, que se banaliza, está legitimada até mesmo pela figura do Estado. Mais que isso: esta ferida (incurável) é produto da própria consciência coletiva, formatada pela história e mantida por um país que prega o desenvolvimentismo apenas no plano plantônico.

No trato negocial, resta o consumidor de mãos atadas, especialmente pelos caracteres do contrato celebrado (contratos de adesão), forçando-os a se socorrer de outros meios para satisfazer seus interesses, desmantelados pela frustração, cansaço e impotência diante dos percalços exsurgidos da má prestação dos serviços. E estes prejuízos são incalculáveis pelo intenso abalo psicológico decorrente da indefinição dada ao entrave e, mais além, da aplicação desleal de cláusulas contratuais que alocam os consumidores a meros coadjuvantes na cadeia produtiva.

Veja, amigo leitor, a matemática é simples: se a operadora de telefonia dá ensejo à rescisão do contrato (por exemplo, falta de manejo na resolução dos problemas apresentados, não fornecimento das informações desejadas, inclusão de serviços não contratados na futura, etc), não é exigível ao consumidor o pagamento de qualquer quantia a título de multa no caso de rescisão antecipada do contrato.

Isto porque é inconcebível aceitar que o contratante, insatisfeito, ainda tenha que arcar com consequências às quais não deu ensejo, absolvendo, numa via lógica inversa, o defeito do serviço, o que, de fato, seria um absurdo. Aplica-se, com suas adequações, na hipótese, a cláusula geral do Direito que os civilistas denominam de “exceptio non adimpleti contractus” ou exceção do contrato não cumprido, que significa que um contratante não está obrigado a cumprir a sua obrigação se o outro não tiver cumprido a sua (art. 476, do Código Civil). Assim, não é legítimo obrigar o consumidor ao pagamento de uma multa se a própria operadora não faz a sua parte na prestação de um serviço de qualidade.

Em todo o caso, como se trata de contratos de adesão – aqueles em que o consumidor não participa ativamente na formulação de suas regras, as operadoras se limitam a aplicar seus regulamentos, sem distinguir as situações favoráveis aos contratantes e é, nesse ponto, que se gera o abuso de direito por violação à boa-fé objetiva contratual.

A este respeito, os Tribunais do país se posicionam pela inexigibilidade da multa quando verificado que a rescisão se deu por culpa exclusiva das operadoras (serviço defeituoso, sobretudo quando reiterado), conforme se pode observar nos julgados abaixo:
"TELEFONIA PRESTAÇÃO DEFEITUOSA DO SERVIÇO RESCISÃO CONTRATUAL – MULTA. 1. É cabível a rescisão contratual quando verificada a prestação defeituosa de serviços. 2. Não é possível a cobrança da multa contratualmente estabelecida quando essa rescisão se deu por culpa exclusiva da prestadora de serviços. Ação procedente. Recurso não provido". (BRASIL. TJSP. 21ª Câmara de Direito Privado. AC nº. 1545861420088260002. Des. Rel. Itamar Gaino. Data de Julgamento: 09/02/2011. Data de Publicação: 10/02/2011). "PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TELEFONIA MÓVEL. PLANO CORPORATIVO CLARO. DEMORA NA ENTREGA DOS APARELHOS CELULARES. EXERCÍCIO DO DIREITO DE RESCISÃO CONTRATUAL POR CULPA DA OPERADORA. MULTA CONTRATUAL E DEMAIS DESPESAS E SERVIÇOS COBRADOS INDEVIDOS. Configurada a culpa da operadora na rescisão contratual da prestação de serviços pela demora na entrega dos aparelhos celulares, não é cabível multa contratual pelo cancelamento antecipado, bem como as demais despesas e serviços. Recurso desprovido". (BRASIL. TJSP. 27ª Câmara de Direito Privado. AC nº. 3555128020098260000. Des. Rel.: Gilberto Leme, Data de Julgamento: 07/08/2012, Data de Publicação: 13/08/2012).

Ademais, o Col. STJ mantém entendimento de que o descaso com o consumidor enseja o dever de indenizar, sem a necessidade de demonstração de culpa, especialmente nas situações em que as empresas prestam o serviço de forma deficiente (REsp 304.738/SP).

A cláusula que estabelece a obrigação do pagamento de multa pelo consumidor deve ser dirimida e afastada porque abusiva, não devendo ser aplicada, indistintamente, em todas as situações de rescisão contratual antecipada. Ao revés, se o inadimplemento contratual se perfez por comportamento culposo da operadora, tornando o serviço contratado não mais oportuno, dado o seu defeito, não há como impor ao consumidor – que é aquele que paga pelo serviço e que dá lucro à entidade empresarial – o cumprimento da obrigação acessória prevista em cláusula penal.

Portanto, o consumidor não há de se esmorecer. Faça as contestações junto à operadora de telefonia, recolhendo os números de protocolo e, caso não seja declarada a procedência da reclamação, ajuíze demanda para ser restituído (em dobro) do valor pago indevidamente, além da compensação financeira pelos danos morais.
 

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A responsabilidade das locadoras de veículos em casos de sinistros

05/05/2013 19:05

De acordo com entendimento consolidado dos Tribunais do país, inclusive através de enunciado sumular do Supremo Tribunal Federal, as locadoras de automotores também são responsáveis por danos oriundos de sinistros causados por condutores (particulares) de veículos tomados via contrato de aluguel, independentemente de sua concorrência para a produção do resultado dano, respondendo de forma objetiva (sem a necessidade de comprovação de culpa) pelo prejuízo daí causado.

Isto porque, como entidades empresariais, as locadoras de veículos desempenham atividade que pressupõe aquisição de lucro, importando na absorção de todos os riscos do negócio operado. Assim, para reparação, basta apenas a demonstração dos elementos ensejadores da obrigação de indenizar: a) a conduta (ainda que exclusivamente imputada ao locatário do veículo); b) nexo de causalidade (liame de causa e efeito); e c), por fim, o evento danoso, que é consubstanciado pelos prejuízos materiais produzidos pela ação ilícita do condutor.

Em se verificando o resultado danoso, nasce para o lesado, nas hipóteses de acidentes de trânsito ou quaisquer outros episódios que resultem em prejuízo, o direito de ser indenizado, facultando ao mesmo, caso não haja composição amigável e extrajudicial, o ajuizamento de demanda contra o condutor (locatário) isoladamente, contra a locadora do veículo exclusivamente, mesmo que atribuída apenas ao condutor a ação lesiva, ou contra os dois sujeitos (locadora e locatário).

Estas últimas possibilidades, em especial a derradeira (solidariedade da obrigação de ressarcir), se consistem, em muito, por obra de construção da jurisprudência que acabou desembocando na formulação dos parâmetros jurídicos da Súmula nº. 492, do STF. Por este vetor sumular, restou consubstanciado o entendimento que as empresas que exploram, com o propósito de lucro, a atividade de locação de veículos devem responder, civil e solidariamente, pelos danos causados a terceiros pela utilização de carros ainda que estejam locados.

Aliás, este raciocínio já está pacificado, reiterando-se muitos julgados no mesmo sentido. O trecho que segue é parte de voto num acórdão proferido, em recurso de apelação, que retrata bem os contornos da obrigação de indenizar pelas locadoras de veículos em que pese o dano ter sido provocado exclusivamente pelo locatário: “Na verdade, aquele que lucra com uma situação (locação de veículos) deve suportar o ônus decorrente da atividade que exerce no seu próprio interesse. Daí porque a ré, no exercício regular de sua atividade mercantil ou como prestadora de serviço, tem obrigação de indenizar o dano causado a terceiro, ainda que resultante de culpa exclusiva do locatário do veículo. Em outras palavras, a responsabilidade é decorrente do risco da atividade exercida em caráter lucrativo, afigurando-se irrelevante tenha a locadora agido com culpa ou não, restando-lhe, por força da Súmula n° 492 do E. Supremo Tribunal Federal, responder solidariamente pelos danos causados pelo locatário; ou seja, sua responsabilidade é objetiva bastando, para tanto, a caracterização do dano e o nexo causal com a conduta imputada ao locatário”. (BRASIL. TJSP. 26ª Câmara de Direito Privado, AC nº. 39828920088260471, Des. Rel. Renato Sartorelli, data de julgamento 27/06/2012, DJ de 29/06/2012).

Seguindo o idêntico espírito, o Superior Tribunal de Justiça, confirmando a obrigação de reparação dos danos produzidos por acidentes de trânsito apesar de culpa exclusiva do locatário do veículo, assim se pronunciou a respeito: "AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. LOCAÇÃO DE VEÍCULO. RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO ART. 522 DO CPC. SÚMULA STF/284. LEGITIMIDADE PASSIVA. SÚMULA STF/492. DECISÃO AGRAVADA. MANUTENÇÃO. [...] II. A empresa locadora de veículos responde, civil e solidariamente com o locatário, pelos danos por este causados a terceiros, no uso do carro locado (Súmula STJ/492). III. Agravo Regimental improvido". (BRASIL. STJ. 3ª Turma. AgRg no Ag 1208187/PB, Rel. Min. Sidnei Beneti, data do julgamento 05/08/2010, DJ de 16/08/2010).

Como percebido, não importa se o dano ao terceiro tenha sido provocado por ato direto da locadora do veículo alugado e se está presente a sua concorrência, culposa ou não, à produção do evento. Explorando a atividade empresarial do lucro, pela prestação de serviços de aluguéis de veículos, a locadora já fica vinculada, antecipadamente, a qualquer resultado danoso cometido pelos locatários, inferindo-se, por seu turno, que a indenização ao prejudicado é sintetizada pela necessidade de amparo à vítima do sinistro, sobretudo pela possibilidade da eventual falta de condições financeiras do locatário ou mesmo de seu sumiço.

Foram estas premissas lógico-circunstanciais, inclusive, que ensejaram a formatação do referido verbete sumular nº. 492, do STF, traduzidas, igualmente, pelos seguintes fundamentos: a) necessidade de diligência, por parte do locador, destinando parte de seu lucro à cobertura de uma eventual insolvência do locatário em caso de acidente; b) interesse, tanto do locador quanto do locatário, na utilização do veículo; e, c) deve preponderar o amparo à vítima, evitando que essa se depare com situação em que os danos não sejam reparados por falta de condições do locatário, ou por seu desaparecimento após o sinistro (STJ, REsp 906.035/AC).

Desse modo, cabe às locadoras de veículos a obrigação de indenizar aqueles lesados em seus patrimônios ainda que por ato imputado aos locatários (condutores), podendo essas empresas responder solidariamente pelo ressarcimento dos danos materiais apurados, caso em que será perfeitamente admitida ação regressiva contra o condutor do veículo, que agiu com culpa, a fim de se reembolsar daquilo que foi destinado à reparação material do terceiro.
Fique esperto!
 

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A nova cara dos empregados domésticos

07/04/2013 19:01

O Congresso Nacional promulgou, na última terça-feira (2), a Emenda Constitucional nº. 72 que concedeu outros direitos aos empregados domésticos, integrando-os os demais à classe de trabalhadores no país. Por meio da alteração empreendida na Constituição Federal, ficou estabelecida igualdade de direitos entre os trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais, com a inclusão de direitos suprimidos até então suprimidos.

A história do país certifica, de fato, a sujeição dos empregados domésticos a um tratamento distintivo despropositado e sem o mínimo de razão, dando a impressão da existência de uma subclasse de trabalhadores dentro do sistema legal. A partir de agora, o país reconhece, à evidência, a isonomia de direitos entre todos os trabalhadores, o que não poderia ser aceito pela manutenção descabida na violação frontal da Constituição quanto ao espírito insculpido sistematicamente em seu próprio texto.

Para se ter uma compreensão geral do contexto discriminatório mantido pela legislação do país, revelando uma proposta intencional de alocar os domésticos a uma classe inferior em titularidade de direitos, apenas, na década de 70, as primeiras linhas regulamentativas foram criadas, conferindo aos mesmos direitos expressos e exercitáveis. Foi através da Lei nº. 5.859, de 11 de dezembro de 1972, que os empregados domésticos puderam ter aglutinados especificamente alguns direitos apesar de limitativos e claramente diferenciadores em relação aos demais agrupamentos de trabalhadores. Embora tais circunstâncias, considerou-se avanço na regulação dos direitos dos domésticos, sem dúvidas.

À época, era admitido ao patrão efetuar descontos nos salários dos empregados domésticos a título de despesas com alimentação, vestuário, higiene e moradia, numa manifesta vontade do legislador em confirmar a relés importância da classe no universo de trabalhadores brasileiros. Ainda, o período de férias compreendia lapso menor de gozo, o que demonstrava o prestígio escancarado ao tratamento desigual dado pelas vias legítimas do Poder.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, o constituinte originário comportou-se covardemente, talvez pelas raízes coloniais e históricas ainda enraizadas nos meandros da consciência coletiva do país, mantendo os mesmos direitos aos empregados domésticos (salário mínimo, décimo terceiro salário, repouso semanal remunerado, férias, licença-gestante, licença-paternidade, aviso prévio e aposentadoria) ao invés de contemplar a igualdade como garantia fundamental do cidadão, isso além de afrontar seu próprio objetivo republicano concretizado na promoção do bem de todos sem erigir qualquer forma de discriminação.

No tempo, pregava-se a democracia como acepção cogente na novel ordem constitucional. Todavia, a flagrante distinção de direitos afugentava a concreta consecução desse ideal. E, assim, permaneceu a gama de direitos intocável até a égide da Lei nº. 10.208/01 que facultou o ingresso dos domésticos ao sistema – não obrigatório – do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).

Posteriormente, e compassivo à patente forma discriminatória que se perpetuava na legislação aplicável, a Lei nº. 11.324/06 passou a não permitir mais os abatimentos sobre os salários dos domésticos referentes à alimentação, vestuário, higiene e moradia, ampliando, ainda, o tempo de gozo das férias de 20 (vinte) dias para 30 (trinta) dias) e outorgando-lhes expressamente o direito à estabilidade provisória pela constatação de estado gravídico, o que significou, inquestionavelmente, um suspiro na ânsia de tornar a igualdade como valor supremo no tratamento de todos os trabalhadores no país.

No entanto, ainda se persistiam essas diferenças – de caráter vergonhoso e de muito mau gosto, sustentadas pela própria legislação brasileira, especialmente pelos altos impostos cobrados dos patrões que acabavam por conter eventuais modificações legais nesse viés. A falta de manejo das leis tributárias (que não previam modos diferenciados de cobrança fiscal nesses casos), e o próprio descompromisso dos legisladores brasileiros em assegurar a consecução isonômica de direitos impuseram aos empregos domésticos o amargo sabor de uma distinção legitimada em contradição com as modernas regras de proteção ao trabalho incutidas no cenário internacional, isso sem falar da discrepância notória nos fins sociais colacionados no bojo da Constituição Federal.

Com a finalidade de reparar os efeitos das penas impostas pela legislação aos domésticos ao longo da história brasileira, a nova Emenda Constitucional propõe a equivalência material de direitos entre todos os trabalhadores, rechaçando a essência desqualificada e não-isonômica da lei trabalhista que manifestamente desprestigiava uma classe significante para economia do país ainda que por via indireta.

Assim, outros direitos foram expressamente alargados aos empregados domésticos, pondo-os como titulares de todos direitos previstos no art. 7º, da CF, como o pagamento obrigatória do FGTS, seguro-desemprego, auxílio-creche e salário-família, jornada de trabalho de 44 (quarenta e quatro) horas semanais, horas extraordinárias de, no mínimo, 50% superior ao valor normal, e adicional noturno, de modo a reconhecer e resgatar o verdadeiro valor da profissão à luz de um idêntico tratamento constitucional.

Em que pese a necessidade de regulamentação por lei de determinados direitos (a exemplo do FGTS e seu levantamento na demissão sem justa causa, salário-família e auxílio-creche) – que será complementada pela legislação ordinária, e do expectativa do mercado quanto ao aumento do desemprego desses trabalhadores, a modificação da Constituição, na forma como ultimada, revela-se como indiscutível vitória dos empregados domésticos por prevalecer a ideário republicano e democrática da igualdade nas relações de trabalho.

Ao Poder Público incumbe a tarefa da implementação de políticas públicas e fiscais a fim de equalizar os ônus e encargos surgidos, sobretudo com a criação de mecanismos e procedimentos simplificados no que tange ao cumprimento das obrigações tributárias, capazes de conter ou mesmo diminuir a elevação dos índices de desvinculação empregatícia da classe. Para alegria, há sinalização neste sentido no Congresso Nacional e a perspectiva é que a regulamentação saia em três meses, de acordo com informações repassadas pelo Relator da Comissão Mista de Consolidação das Leis, Senador Romero Jucá (PMDB-RR).

Agora, resta esperar e ver como a sociedade se comporta com essas alterações.
 

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