Escuridão marca lembrança dos 20 dias de prisão de Samir Ahmad, que hoje tenta reconstruir vida com família em SP
iG
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Choques elétricos, chutes e socos foram a rotina de Samir Ahmad* durante o tempo em que ficou preso por participar das primeiras manifestações contra o regime do presidente da Síria, Bashar al-Assad, em Homs, cidade a oeste do país. Há nove meses no Brasil, o refugiado sírio usa frases sucintas para reconstruir os 20 dias em que diz ter ficado enclausurado, sem que sua família soubesse de seu paradeiro, em março de 2011: "Era tudo muito escuro", "Arrancaram minhas unhas" e "Queriam que eu dissesse que tinha sido pago para participar dos protestos".
O relato de Samir Ahmad se assemelha a 200 outros registrados pela organização Human Rights Watch (HRW) em relatório sobre o chamado "arquipélago de tortura" na Síria, divulgado no ano passado. Segundo a HRW, desde março de 2011, autoridades sírias submeteram "dezenas de milhares a prisões arbitrárias, detenções ilegais, desaparecimentos forçados, maus-tratos e tortura usando uma extensa rede de centros de detenção".
A organização afirmou que foram identificados mais de 20 métodos de tortura diferentes empregados por interrogadores, guardas e oficiais do país, incluindo abusos sexuais, simulação de execução, extração de unhas e uso de choques elétricos.
Aos 28 anos, Ahmad teve sua vida alterada em um piscar de olhos. Em março de 2011, ele participava com amigos de um protesto contra o governo pela terceira vez, quando forças de segurança do governo reprimiram o ato com violência. Ahmad apanhou, teve seus olhos vendados e foi levado pelos agentes para um prédio oficial. E foi com os olhos cobertos que pemaneceu a maior parte do tempo durante as mais de duas semanas que se seguiram.
Preso em local que desconhecia, Ahmad recebia um pedaço de pão e de queijo todos os dias, o mínimo para mantê-lo de pé e aguentar as sessões diárias de interrogatórios sob tortura, que, segundo relembrou, duravam em média duas horas. "Os oficiais ( do regime ) tinham muitos motivos para me torturar. Primeiro, para eu não voltar a me manifestar. Também para intimidar meus amigos", disse.
Enquanto isso, seu pai tentava desesperadamente encontrá-lo. Foi um funcionário do governo que, por meio de propina, descobriu o paradeiro de Ahmad e avisou sua família. Depois do pagamento de US$ 10 mil "por fora", Ahmad estava livre novamente, mas sua vida fora da cela não representou um alívio. Por causa do nome "sujo", ele não poderia correr o risco de ser parado pelos postos de controle do regime espalhados por toda a cidade, então, teve de se submeter a uma nova prisão, dessa vez dentro de sua própria casa, até que conseguisse regularizar sua situação.
Primeira Edição © 2011