Jogo inesquecível de Chico Anysio foi virada do Vasco que o fez torcer

O Brasil perdeu o humor fino, inteligente, antenadíssimo,

23/03/2012 15:35

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GLOBOESPORTE.COM

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O Brasil perdeu o humor fino, inteligente, antenadíssimo, que lhe conferiu a camisa 10 na seleção dos mestres do sorriso. Aos 80 anos, Chico Anysio saiu de cena nesta sexta-feira tão triste para o país após dura batalha para se recuperar dos sérios problemas de saúde nos últimos meses. Num momento de reação, em 2011, voltou às telas no "Zorra total", na Rede Globo, com a Salomé, de Passo Fundo, uma das centenas de personagens marcantes que criou. Nesse período, abriu as portas de sua casa, na Barra da Tijuca, para falar de futebol. A entrevista foi ao ar no dia 17 de maio de 2011 e é republicada nesta sexta, em sua homenagem. Naquele agradável dia, o humorista pegou emprestada a alegria do dublê de jogador Coalhada e a inspiração do Pantaleão para contar suas histórias. Sem exageros...

Uma das mais interessantes na vida do humorista foi a troca de camisas. Sim, Chico assumia sem constrangimento que já torceu por vários clubes. O Palmeiras foi o único que jamais deixou de ter espaço. Vasco, América e Flamengo já se revezaram na preferência carioca, especialmente nos últimos anos, pelo fato de Chico morar há muito tempo no Rio. Cruzeiro, Grêmio, Santa Cruz e o Inter, do amigo Falcão, contaram também com a simpatia do humorista, que há anos não largava a camisa cruz-maltina.

Talvez por isso, além do fato de ter sido comentarista de futebol no rádio e na TV e criado no mundo do futebol - o pai foi presidente do Ceará -, ele não fosse daqueles de comemorar muito a vitória do time. Mais contido, estilo blasé, confessou, no entanto, que uma partida o tirou do sério. Justamente quando o coração estava dividido. Perto do Natal de 2000, naquele 20 de dezembro, Palmeiras e Vasco, os preferidos do coração de Chico, decidiam a Copa Mercosul. O Verdão fez 3 a 0, mas o Gigante da Colina conseguiu virar para 4 a 3 de forma sensacional. A partida marcou não só o humorista como todo vascaíno que viu aquele duelo.

- Eu sou Vasco e Palmeiras. O primeiro time pelo qual torci foi o Palestra Itália. Quando moro em São Paulo, prefiro o Palmeiras. Quando moro no Rio, prefiro o Vasco. Esse jogo eu vi em Belo Horizonte, onde eu prefiro... o Cruzeiro. Assim que o Palmeiras fez 3 a 0, pensei que estava resolvido. Naquele momento, não torcia para nenhum. Aí, vi quando o Palmeiras perdeu o jogo: o técnico botou o time marcando homem a homem. O do Vasco (Joel Santana) tirou o Nasa e lançou o Viola, que não tinha marcador. E ele desarmou tudo. O Vasco fez 1 a 3, 2 a 3, 3 a 3 e 4 a 3. Vibrei na virada. Quando o Romário fez o segundo gol, o Palmeiras enlouqueceu, e já fiquei torcendo para o Vasco, que empatou. O Palmeiras abriu o jogo. Juninho Paulista e Romário jogaram muito. Foi uma partida brilhante. - afirmou Chico Anysio, no seu apartamento, na Barra da Tijuca.

O humorista lembrou que estava na cidade mineira em excursão com uma peça. Naquela noite, de folga, resolveu assistir à partida no hotel, na companhia do então empresário, Róbson Paraíso, já falecido. Róbson era torcedor do Náutico e também se deixou contagiar pela espetacular reação do Vasco, que no primeiro tempo não viu a cor da bola. Apenas uma jogada de Romário assustou o Verdão, que aos 35 recebeu um presente de Júnior Baiano. O zagueiro cortou um cruzamento com a mão dentro da área. Pênalti que Arce converteu, abrindo o placar. No minuto seguinte, Magrão aumentou, e aos 45 Tuta marcou o terceiro.

Tanto Chico quanto seu amigo Róbson e o resto da torcida do Vasco não esperavam o que aconteceu nos 45 minutos finais. E, conforme o humorista mesmo lembrou, Viola entrou para esquentar um jogo já praticamente perdido. O Vasco partiu para o ataque e, aos 14, Romário diminuiu de pênalti marcado sobre Juninho Paulista. Nove minutos depois, replay: Juninho Paulista derrubado na área, gol de pênalti do Baixinho.

A partir daí, o cearense que conquistou o Brasil passou a acreditar na virada. Nem a expulsão de Júnior Baiano, aos 32, cortou o otimismo, premiado aos 40 com o gol de Juninho Paulista. E a musiquinha tão cantada nos estádios "O Vasco é o time da virada, o Vasco é o time do amor..." ganhou forma aos 48, quando Viola iniciou jogada concluída por Juninho Paulista. No rebote, Romário mandou para as redes pela terceira vez naquela noite e iniciou uma grande festa em São Paulo e no Rio. Chico comemorou, mas do seu jeito.

- Eu não grito gol nem pulo. Fui criado no futebol. Meu pai foi presidente do Ceará Sporting. A concentração era no nosso sítio, em Maranguape. Nunca vi um jogador dizer "o Ceará perdeu", "o Ceará ganhou". Era só "ganhei o bicho", "perdi o bicho". Só pensam no dinheiro.

Aí, achei o seguinte: eles é que têm que torcer, não eu. Nunca vibrei, nem com a Seleção.

Agora, o 4 a 3 do Vasco foi diferente. O outro que eu vibrei foi o do gol do Cocada, na vitória sobre o Flamengo por 1 a 0, na final do Carioca de 1988. Eu estava atrás do gol. O chute do Cocada foi lindo. E a bola espalhou água, estava chovendo... Ele entrou em campo aos 44 do segundo tempo, fez o gol aos 45 e foi expulso aos 46...

Chico Anysio gostava e entendia tanto de futebol que conseguia ser um bom advogado de defesa para as trocas de camisa que já fez como torcedor. Ele não entendia por que se critica tanto quem resolve torcer para outro clube.

- Eu acho o seguinte: você muda de mulher e não é vira-leito. Você muda de rua e não é vira-placa. Você muda de fé e não é vira-cruz. Quando muda de time, é vira-casaca. Por quê? Eu estou Vasco. Se o Vasco fizer uma grande sacanagem com alguém amanhã, eu deixo de ser. Imediatamente - disse o humorista, que já foi comentarista de futebol na Rádio Tupi.

Uma das mudanças de time do hurmorista aconteceu em plena viagem, quando voltava de carro de Piraí, escutando o jogo do América. Daí em diante, não trocou mais.

- A equipe jogava contra o Náutico no campo do Vasco. Tinha que empatar para passar para a fase seguinte do Brasileiro. E acabou derrotada por 3 a 0, três gols do Baiano. Eu tinha falado, antes do jogo: "Se o América perder esse jogo, eu paro de ser América. Vou fazer 50 anos, não posso ter uma velhice preocupada. Aí eu voltei a ser Vasco, que tinha sido o primeiro time pelo qual torci no Rio. Tinha deixado de ser Vasco por causa de uma safadeza que a diretoria fez com o treinador, o Gentil Cardoso. Aí, pensei: vou escolher um outro time. E escolhi o maior adversário do Vasco, o Flamengo, que tinha sido o sétimo colocado no Carioca de 1952.
 

Primeira Edição © 2011