Correio Braziliense divulga matéria sobre 'esquema nos precatórios' de AL

23/03/2012 09:25

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Correio Braziliense

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Nem só de falta de pessoal, de organização e de uma ordem cronológica transparente sofrem os sistemas de precatórios no Brasil. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ao percorrer até agora oito estados para estruturar os setores de pagamentos de débitos dos governos locais, decorrentes de sentenças judiciais em favor dos cidadãos, encontrou fraudes de toda ordem.

Em Alagoas, foi identificado um esquema de venda dos créditos, com deságio de até 90% e documentação irregular, a empresas, que rapidamente conseguem receber 100% dos valores em compensação tributária (veja quadro). A estimativa é de que cerca de R$ 1 bilhão tenha sido movimentado dessa forma, envolvendo 500 credores – entre eles desembargadores, juízes, promotores e procuradores.

A falta de controle era tão grande que o Tribunal de Justiça alagoano tenta rastrear, agora, quem já recebeu por essa via, para evitar pagamentos em duplicidade. “Mandei ofício à Procuradoria do Estado e à Secretaria de Fazenda pedindo nomes e valores, mas, até agora, não recebemos retorno”, destaca Diógenes Tenório, juiz responsável pelo setor de precatórios. Um problema crucial, verificado ao longo do trabalho de organização realizado pelo CNJ no estado, foi a emissão de certidões de crédito, por parte das varas de Fazenda Pública, especialmente a 17ª, sem organização alguma. Tal documento, que não traz o valor devido, era calculado e negociado por escritórios de advocacia a empresas, principalmente a Telemar, hoje Oi.

Para o negócio ser concretizado, porém, a Procuradoria-Geral de Alagoas certifica o cálculo feito pelos advogados e envia o débito para a Secretaria de Fazenda. Duas leis estaduais que, na avaliação de conselheiros do CNJ, deveriam ser declaradas inconstitucionais, permitem essa negociação de créditos – débito reconhecido pelo Judiciário que, para se tornar precatório, na formalidade do termo, basta que a parte interessada peça a execução. Mas as lacunas de informação – que começam na emissão sem controle das certidões por parte das varas de Fazenda Pública – e a falta de critérios sobre os pagamentos são o início de uma história que deverá ser aprofundada pela Corregedoria do CNJ.

“Alagoas é o único estado em que o crédito pode ser negociado, isso traz dificuldades no cumprimento de princípios constitucionais, como moralidade, publicidade, eficiência”, diz Diógenes. O advogado Marcos Mello, dono do escritório identificado em 95% dos casos, ressalta haver “total transparência” nas negociações. “Tudo é publicado no Diário Oficial do Estado, os nomes das pessoas estão lá. Só o nome das empresas é que não constam porque caso contrário elas seriam bombardeadas de gente querendo vender, já que o estado demora muito”, afirma Mello, que também tem dívidas a receber na mesma ação em que se verificou tal prática, mas nunca vendeu seus créditos.

A Oi, por meio da assessoria de imprensa, informou que segue “limites e condições” para negociar com titulares dos créditos e com o estado “expressamente previstos em legislação pertinente”. Não disse o quanto já abateu de impostos por essa via, afirmando se tratar de informações econômicas da companhia e, portanto, “estratégicas”. Sobre se já havia sido chamada por algum órgão para tratar do assunto, destacou que “periodicamente, os órgãos relacionados com esse procedimento mantêm contato com a empresa para quaisquer esclarecimentos”.

Já Emanuele Pacheco, presidente da Comissão de Certificação de Créditos da Procuradoria-Geral de Alagoas, disse que não recebeu ofício do TJ-AL com pedido de nomes e valores de pessoas que negociaram seus créditos nem tem conhecimento de suspeitas sobre as operações. “Nunca houve uma ação do Ministério Público questionando nada sobre isso. Se há suspeitas, defendemos que sejam apuradas”, disse.

Ela ressaltou, entretanto, desconhecer que as empresas consigam receber 100% dos créditos, informando que a Secretaria de Fazenda faz um cálculo para definir o valor a ser descontado em impostos. O advogado Mello, entretanto, afirmou que as companhias recebem 100%, dentro da lei. “Por que elas comprariam os créditos se fosse para receber o que pagaram aos credores?” A Secretaria de Fazenda não retornou os contatos da reportagem

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