Quase 3 mil alagoanos com HIV estão em tratamento com antirretrovirais

20/12/2018 19:01

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Agência Alagoas

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A infecção por HIV ainda não tem cura, mas há medicamentos que podem minimizar os efeitos da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids) e auxiliar a pessoa portadora a ter mais qualidade de vida. A coordenadora do Programa de Combate às Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST)/Aids e Hepatites Virais da Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), Sandra Gomes, lembra que os antirretrovirais usados em combinações conhecidas como “coquetéis” são a chave para reduzir a presença do vírus no organismo, chegando à chamada carga viral indetectável, quando as chances de transmissão são quase nulas.

Conforme dados do Sistema de Controle Logístico de Medicamentos (Siclom) do Ministério da Saúde (MS), 3.015 alagoanos, sendo 2.970 adultos e 45 crianças, estão em terapia antirretroviral, por meio da qual conseguem diminuir, significativamente, a quantidade de HIV no sangue, suprimindo a carga viral a níveis indetectáveis.

Sandra Gomes conta que, assim que o HIV foi descoberto, no início dos anos 1980, havia um desconhecimento não apenas por parte das pessoas infectadas, mas, também, das equipes de saúde da época. “Tanto é que, se formos observar do ponto de vista histórico, os profissionais ficavam muito paramentados, porque não sabiam se a infecção causada pelo vírus acontecia através do ar ou do contato imediato com a pele. E, então, houve esse processo longo de descoberta para tentar lidar com o HIV”, disse.

Em termos de pesquisa, os antirretrovirais chamavam muito a atenção quando começaram a ser estudados, em 1980, visto que causavam bastante enjoo, tontura, vômito e diarreia. À época, de acordo com Sandra Gomes, a depender do esquema medicamentoso que fosse feito, os pacientes costumavam tomar até 20 comprimidos por dia. A despeito desses inconvenientes, o remédio reduziu de forma significativa a mortalidade de pessoas com o HIV e a Aids.

“Costumo comparar até a questão dos exames. Antes, a análise para o diagnóstico de HIV era feita por coleta venosa e demorava, em média, de 30 a 40 dias para ficar pronto. Agora, com a testagem rápida, por meio da punção digital, é possível detectar os anticorpos contra o HIV num tempo inferior a 30 minutos. Esse método tem permitido que o indivíduo faça o teste, conheça o resultado e receba imediatamente o aconselhamento necessário”, afirmou.

Indispensável

A adesão ao tratamento é um desafio para as pessoas acometidas pelo vírus e pela doença, pois os protocolos atuais determinam o uso dos antirretrovirais em horários que devem ser rigorosamente cumpridos e na quantidade exata prescrita pelo médico ao paciente.

O conhecimento desses obstáculos pode auxiliar na escolha individualizada do tratamento e, com isso, melhorar os resultados. Todavia, a especialista da Sesau alerta que o uso irregular do medicamento pode causar danos à terapia e até mutações no HIV, ou seja, o desenvolvimento de formas mais resistentes do vírus, dificultando o recurso terapêutico.

“Essa aderência ao tratamento deve ser diária e não passa somente pela ingestão da medicação. O paciente precisa frequentar assiduamente os agendamentos de suas consultas, realizar os exames, tomar a medicação nos horários corretos, praticar atividade física e vivenciar uma vida social ativa e saudável, para que ela seja a mais equilibrada possível”, orientou.

O vírus HIV, ao entrar no organismo, começa a se multiplicar e, a partir daí, passa a atacar as células de defesa – os leucócitos, conhecidos como glóbulos brancos. “Ao usar a medicação, o organismo desse paciente faz uma barreira de proteção. Não é que o HIV vai sair do corpo dele, só não vai conseguir atacar as células de defesa tanto quanto acometeria alguém que não está tomando os remédios”, explicou Sandra Gomes.

Ela destaca que, antes de iniciar a medicação, o médico precisa analisar o paciente, tanto de forma clínica como laboratorialmente, para ver como estão suas células de defesa. É necessário realizar alguns exames, a exemplo da análise de carga viral e de CD4. “Hoje não podemos dizer que não existem efeitos colaterais em relação aos medicamentos. Mas, se comparado há 30 anos, eles foram minimizados porque a tecnologia está bem avançada. Algumas pessoas têm diarreia, distúrbios gastrintestinais, como vômitos e náuseas, pesadelos, insônias e, em alguns casos, a lipodistrofia e a lipoatrofia”, destacou.

Porém, quando o número de células CD4 já está em um nível muito baixo, pode se tornar irreversível e levar o paciente à morte em pouco tempo, devido a alguma infecção oportunista. Depois da indicação do médico e com a receita em mãos, o paciente deve retirar os remédios em uma Unidade Dispensadora de Medicamentos (UDM).

Em Alagoas, elas funcionam no Centro Especializado de Palmeira dos Índios, Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) de Arapiraca, Hospital Universitário Professor Alberto Antunes, no Tabuleiro do Martins; PAM Salgadinho, no Poço; UDM do Complexo Penitenciário de Maceió; e no Serviço de Assistência Especializada (SAE) do Hospital Escola Helvio Auto, no Trapiche da Barra. Geralmente, essa distribuição é feita nos SAE, onde ocorrem as consultas.

Década de 1980

Como a incidência era predominante entre os homossexuais em 1980, suspeitou-se que houvesse relação da doença com o estilo de vida, tanto que a síndrome era tida como uma sentença de morte. Atualmente não é mais assim. “Se pegarmos, historicamente, as propagandas do Ministério da Saúde, as fotos eram de pessoas moribundas, porque elas não tinham expectativa de vida”, observou Sandra Gomes.

“Hoje, existem pacientes que são acompanhados por uma equipe multiprofissional, formada por enfermeiros, médicos, psicólogos, assistentes sociais, odontólogos, farmacêuticos e nutricionistas, e que há mais de 25 anos convivem com o vírus. Ao olhar para essas pessoas, aparentemente, você não tem como dizer que elas são portadoras do vírus. Mas, para isso acontecer, é preciso a adesão contínua ao tratamento”, observou.

O tratamento

Entre os milhares de alagoanos que fazem o tratamento com antirretrovirais, está Aparecida Conceição – nome fictício – que tem 61 anos e, há cinco, descobriu ser portadora do vírus HIV através da testagem rápida. Por muitos anos ela foi profissional do sexo e diz ter entrado para o mundo da prostituição ainda jovem, aos 14 anos.

Tinha uma clientela cativa e, segundo ela, o que ganhava fazendo os programas “dava para comer e pagar as contas de casa”. A senhora de riso contagiante e doçura nos gestos chegava se prostituir com vários tipos de homens, inclusive, alguns com idade suficiente para serem seus pais ou avós.

Após saber da sorologia positiva, no entanto, Aparecida Conceição deixou a profissão de lado, mas demorou dois meses para contar aos amigos mais próximos e, principalmente, aos parceiros com quem se envolveu, por medo da rejeição. Assim que descobriu estar infectada pelo HIV, ela passou a tomar os antirretrovirais e a realizar os exames de rotina, como forma de manter a saúde protegida.

“A cada seis meses eu vou ao médico e faço todos os exames prescritos por ele, para saber como está a minha carga viral. Vivo com HIV e estou com o vírus indetectável por conta do tratamento”, disse a paciente. “Na época em que eu descobri ser soropositiva, também fui diagnosticada com sífilis. Mas fiz o tratamento e, graças a Deus, fiquei melhor”, lembrou Aparecida Conceição.

Efeitos colaterais

Em relação à ingestão da medicação, Aparecida disse que, de todos os efeitos colaterais provocados por ela, a tontura é o mais frequente. “Tomo um comprimido durante a noite e, dessa maneira, posso ficar tranquila, porque sei que estou seguindo o tratamento conforme a indicação médica”, contou. “Tenho o costume de ir ao banheiro de madrugada e, na maioria das vezes, preciso me pegar aos móveis, pois o risco de eu cair no meio do caminho é grande. O remédio me deixa mais propensa à tontura. E isso é horrível”, continuou.

Até hoje, Aparecida Conceição não faz ideia de quem possa ter transmitido o vírus para ela, porque eram raras as vezes em que havia proteção durante o ato sexual. “Foram tantos que perdi a conta. Eles falavam: ‘eu só te pago se você fizer sem camisinha’. Como precisava do dinheiro, me submetia a fazer, mesmo sabendo que isso estava errado”, recordou. “Cheguei a transar com homens casados, aqueles padrões bonitos e de fisionomia saudável, que, olhando pela primeira, segunda ou terceira, você nunca seria capaz de dizer que eles podiam estar infectados com o vírus”.

Mas, como diz o ditado, “quem vê cara, não vê coração”. Todas as pessoas estão sujeitas à infecção pelo HIV, não importa a condição social, cor de pele ou idade. Segundo Conceição, passado alguns meses, ela chegou a procurar os homens com os quais manteve relações sexuais para dizer sobre sua soropositividade. Todavia, recebeu como resposta algo completamente diferente daquilo que esperava.

“Quando escutei de alguns deles que, a partir daquele momento, a gente não faria mais sexo, pelo fato de eu ter contraído o vírus HIV, isso afetou ainda mais minha autoestima. Tive que olhar para dentro de mim e dar um basta na vida promíscua que eu levava há anos. Depois desses episódios, criei um bloqueio, não apenas na minha relação com o sexo, mas, também, em vários aspectos da minha vida. Tornei-me uma mulher frígida”, admitiu, com tom arrependido.

Preconceito familiar

Em uma das visitas que fez a uma irmã, Conceição pediu um copo de água. Assim que terminou de bebê-la, ao virar as costas, sua irmã quebrou o copo imediatamente, pois, para ela, o vírus HIV poderia ser contraído apenas com o toque das digitais no objeto. “O preconceito é um dos aspectos mais negativos que um soropositivo enfrenta todos os dias. E quando isso vem da família, a dor é tão grande que a gente chega a perder o chão. São momentos complexos, que sem dúvida deixam marcas profundas, mas não acredito que seja uma ferida emocional para a vida inteira. A gente fica mais forte...”, disse, com os olhos marejados.

“A vida é essa coisa bonita, sabe? Me considero a pessoa mais feliz do mundo, pois eu trabalho, eu danço, eu brinco, eu rio, mesmo com todos os obstáculos que ela me impõe diariamente. O vírus não é um impedimento para eu deixar de ser essa mulher alegre. Pelo contrário. Por meio da informação, hoje eu sei que é possível viver bem com o HIV. Aqueles velhos medos de lá de trás não me assustam mais”, refletiu. “Por isso, digo a todo mundo que, se você se expôs a alguma situação de risco e está na dúvida, faça o teste rápido, pois o tratamento existe. É melhor saber antes do que depois. Porque, se a gente descobrir muito tardiamente, é um caminho que não tem volta”.

Primeira Edição © 2011