Ejai cumpre a missão de ensinar jovens, adultos e idosos

27/05/2018 12:15

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Assessoria

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Recomeçar. Uma palavra simples, mas que toca de maneira particular o íntimo de jovens, adultos e idosos que não tiveram a oportunidade de concluir os estudos, mas pretendem retornar à sala de aula. Para esse perfil de estudante, há duas décadas, existe a Educação de Jovens e Adultos (EJA) – regulamentada pela Lei das Diretrizes e Bases da Educação LDB (9.394/96) como dever do Estado.

A EJA é uma modalidade de ensino público que perpassa todos os níveis da Educação Básica e tem por finalidade oferecer a possibilidade de conclusão do Ensino Fundamental e/ou médio aos estudantes acima de 15 anos que estão afastados da escola. Em Maceió, a nomenclatura EJA passou a ser chamada Ejai – a partir da resolução nº 03/2016 do Conselho Municipal de Educação – Comed –, por incluir os idosos nessa modalidade de ensino.

Não existe um público-alvo para a Ejai. Entretanto, dois principais grupos se inserem nessa modalidade de ensino: o primeiro constitui-se por pessoas adultas e/ou idosas, com baixa ou nenhuma escolaridade, que viveram em uma época em que o acesso à educação era mais difícil, ou mesmo que tiveram que trabalhar muito cedo para sustentar a família; o segundo grupo – cada vez mais numeroso e heterogêneo – é composto por jovens que tiveram uma trajetória de vida marcada por muitas adversidades, dentro e fora dos muros daescola.

No início do ano, na escola regular, as salas de aula costumam estar sempre cheias. Com o passar dos meses, esse cenário pode mudar, pois inúmeros motivos podem conduzir o aluno ao abandono. Diante dessa situação, sabe-se que nem sempre é fácil voltar a estudar após alguns anos fora da escola. Sem o estímulo necessário, a segunda tentativa – muitas vezes – pode significar a última se a escola não for acolhedora, interessante e que entenda as reais necessidades desse aluno.

Nesse processo de readaptação e aprendizagem, existe um personagem fundamental, que não somente compartilha conhecimento, mas motiva, apoia e cria possibilidades para que o próprio aluno refaça sua trajetória e dê prosseguimento ao seu projeto de vida: o professor da Ejai.

Educação como arte de vida

Há onze anos atuando na rede municipal de ensino de Maceió, Regileno Luís de Souza – carinhosamente conhecido como professor Régis, atualmente é vice-diretor da escola municipal Luiza Suruagy, no bairro do Ouro Preto. Ator por formação, ele conhece de perto a realidade desses alunos, pois lecionou arte durante sete anos para turmas da Ejai em três escolas da rede.

Tudo começou em 2009, quando Régis foi convidado a lecionar para uma turma de Jovens e Adultos da escola Lamenha Lins, no bairro do Jacintinho. Até então, suas experiências em sala de aula se limitavam ao ensino fundamental regular. Ainda assim, o jovem professor aceitou o desafio.

“No início foi difícil. Por não ter convívio com esse perfil de aluno, eu não tinha noção do que estava por vir. Daí fui em busca de literaturas e outras fontes de pesquisas que me ajudassem a entender quem é esse aluno, o que ele quer. Aos poucos, eu fui aprendendo a me relacionar com eles e compreendi que educar o estudante da Ejai poderia ser uma grande troca de experiências”, resume.

Como professor “Paulo Freireano”, como ele mesmo se define, Régis buscava trazer dos palcos para dentro da sala de aula sua bagagem de conhecimentos adquiridos ao longo de quase 30 anos dedicados às artes cênicas. O trabalho multidisciplinar, que engloba todas as disciplinas básicas, como história, geografia e português, deixava as aulas mais instigantes, estimulando a permanência desses alunos. Além disso, o então professor abordava e discutia situações que refletiam a realidade social dessas pessoas.

“Vejo que ainda há uma resistência do professor que está acostumado com a educação tradicional. O professor da Ejai precisa viver a escola e sentir-se parte integrante dela. Não basta somente passar o conteúdo do currículo, é preciso dialogar com esse sujeito, saber ouvi-lo, compartilhar vivências. Se não for um conteúdo que dialogue com o seu meio social, com o lugar de onde ele vem e seus problemas do dia a dia, não interessa”, avalia.

Munido de muita experiência vivida no chão da escola, Régis aceitou o desafio da gestão educacional há quase dois anos, o que lhe permitiu ter uma visão ainda mais ampla da questão pedagógica. Para o professor Régis, o grande diferencial do aluno Ejai é o fato de eles estarem ali por livre e espontânea vontade, não por obrigação. Apesar disso, ele conta que, no início, alguns têm vergonha de escrever ou até mesmo de falar sobre si. Mas, aos poucos, a vontade de aprender e superar seus limites vence o medo e a timidez.

“Eles trazem consigo experiências de muita labuta, de negação, negligências. São inseguros, com baixa autoestima, tímidos. Eu busco me envolver com os alunos para compreender melhor como posso ajudá-los. Eles precisam ser encorajados o tempo todo, pois têm muito potencial. A arte, como forma de expressão artística, serve como uma janela para o mundo e pode transformar essas pessoas de dentro para fora. Através dela, os alunos podem enxergar as coisas ao seu redor com um olhar particular, infinito, de mil e uma possibilidades”, considera.

Em 2015, o professor Régis iniciou uma pesquisa de doutorado na Universidade de Santiago – USEK, no Chile, onde defende uma tese sobre os jogos dramáticos e teatrais como ferramenta fundamental na melhoria de expressão do sujeito da educação de jovens, adultos e idosos das escolas de Maceió.

Educar de corpo e alma

Muitas vezes, o amor pela educação vem de berço, literalmente. Filho de educadores, o professor Sérgio Lima cresceu em um ambiente onde a educação sempre foi prioridade. Apesar da formação em história e direito, foi na educação de jovens e adultos que Sérgio encontrou seu lugar. Há oito anos, ele é professor de história, geografia e educação para o trabalho para os alunos Ejai da escola municipal Don Hélder Câmara, no bairro do Feitosa.

“Nunca quis advogar, pois acredito que o centro das mudanças sociais está na educação. Meus pais e irmãs são professores e eu também decidi ser por acreditar nessa mudança”, salienta.

Assim como Régis, o professor Sérgio aposta na força do diálogo dentro da sala de aula como mola propulsora para se despertar no aluno o pensamento crítico sobre sua própria realidade. Ele define a escola como continuidade da vida do aluno, não como algo isolado, mas que pertence à comunidade e reflete o que a sociedade quer.

“Apesar das enormes dificuldades da escola pública, eu acredito nesse processo. Você começa a acreditar que a coisa pode mudar por ali e você também será responsável por essa transformação. Parece utópico, mas a educação te convoca a participar de algo muito importante que pode mudar a sua realidade e das pessoas que você convive. É contagiante”, conta.

Em sua dinâmica de trabalho, Sérgio busca trabalhar com as histórias de vida desses estudantes, para que se identifiquem com o conteúdo transmitido em aula e, com isso, sintam-se estimulados a participar. Por se tratar de indivíduos com idades e níveis de aprendizagens diferentes, o professor opta por uma linguagem acessível, de modo que todos compreendam o que se pretende transmitir e interajam, desde aquele estudante de 15 anos até mesmo os idosos.

“Eu gosto muito deles porque existe a possibilidade de se construir um real projeto de vida. Grande parte dos meus alunos sonham em dar prosseguimento aos estudos e isso é o que nos move”, complementa.

Sérgio acrescenta que a violência e o analfabetismo estão interligados e as dificuldades são intermináveis, pois o público da EJAI vem de outra realidade, de exclusão e renúncias. Boa parcela deles, sofrem ou já sofreram algum tipo de violência ou estão desempregados, e isso mexe diretamente com a autoestima dessas pessoas. Ainda segundo o educador, a atuação do professor é determinante para combater a evasão nessa nova etapa de suas vidas.

“A educação é também uma questão de militância. Nós temos muitos alunos com problemas diversos, que trabalham o dia inteiro, mas que à noite estão ali de coração aberto para aprender. Confiam no nosso trabalho. Estabelecemos um vínculo afetivo, uma amizade. É preciso ter sensibilidade para compreender cada caso e ajudá-los da melhor maneira possível. O desafio do professor é tão árduo quanto o do aluno”,considera.

Sérgio e Régis são apenas dois dos cerca de 400 professores que atuam com a educação de jovens, adultos e idosos nas escolas públicas de Maceió.

Sobre a Ejai em Maceió

Ao todo, 51 escolas da rede ofertam esse modelo de educação para a conclusão do ensino fundamental nos dois segmentos: o primeiro para alunos dos anos iniciais (1º ao 5º ano), e o segundo para alunos dos anos finais (6º ao 9º ano). Para se matricular, basta comparecer na escola mais próxima e levar um documento com foto e, caso possua, declaração ou histórico de escolarização. Nos casos de não comprovação de escolaridade, o aluno passará por uma avaliação feita pela equipe pedagógica para saber em qual segmento de aprendizagem ele se encaixa.

As unidades de ensino estão distribuídas em todos os bairros da capital e atendem cerca de 7466 estudantes (Dados: Inep 2017). Além da Ejai, a Secretaria Municipal de Educação de Maceió (Semed) também desenvolve o Programa Nacional de Integração de Jovens (Projovem) e o Programa Brasil Alfabetizado (PBA), que dão suporte ao Ejai na busca por uma Maceió com um menor índice de analfabetismo e com maior igualdade entre as pessoas.

Pesquisa de Analfabetismo

A partir de uma demanda da rede, com o apoio técnico do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), foi realizado um estudo entre 2010 e 2015 onde revelou que a taxa de pessoas analfabetas em Maceió caiu de 11,4% para 8,3%. Com a redução, a capital passa a alcançar um índice de analfabetismo bem próximo da média nacional, de 7,8%.

Os resultados da pesquisa intitulada Universalizar a alfabetização em Maceió: subsídios para a política pública – conduzido pelo International Policy Center for Inclusive Growth (IPC-IG), sob supervisão do PNUD –, foram divulgadas durante o evento “Enfrentamento do Analfabetismo em Maceió: Discutindo Inovações para Orientações da Educação de Jovens, Adultos e Idosos”, ocorrido em agosto no município. Os resultados sugerem que os investimentos da pasta na modalidade de ensino Ejai e a permanência de crianças no ensino fundamental tem surtido um resultado positivo.

Guia das Orientações Curriculares da Ejai

No último ano, a parceria Semed/PNUD completou a série de instrumentos orientadores para todas as etapas e modalidades de ensino – instrumentalizando os profissionais da Rede Municipal de Ensino de Maceió para a implementação de uma política educacional, cujos princípios e conceitos se traduzem em guias de práticas pedagógicas para uma mudança no processo de ensino-aprendizagem.

O caderno Orientações Curriculares para a Educação de Jovens, Adultos e Idosos (EJAI) – publicação pedagógica da Semed, com o apoio técnico do Programa das Nações Unidas e da Ufal, foi produzido e lançado em 2017 com o objetivo de nortear o “fazer pedagógico” dos profissionais da educação desta modalidade de ensino.

O livro possui informações que apontam características fundamentais para entender o contexto histórico nacional, internacional e local da Ejai e o perfil histórico e social dos estudantes, além de sistematizar práticas pedagógicas inspiradas na educação popular de Paulo Freire, que desenham a metodologia da rede temática e orientam os professores e gestores com conceitos e didáticas do cotidiano das escolas. Com esse material,a rede de Maceió possui uma referência pedagógica e histórica construída com contribuições coletivas de professores, técnicos e especialistas.

O relatório de analfabetismo, produto, também, de um trabalho de escuta e de debate com especialistas, técnicos e lideranças locais, serviu de subsídio estratégico para a elaboração do caderno da Ejai, que já está impresso e começa a ser distribuído e implementado este ano em todas as escolas da rede que oferecem esta modalidade de ensino.

Um sonho possível

Para esses estudantes, concluir os estudos não representa apenas lograr o diploma. Significa superar medos e incertezas, conquistar autonomia, recuperar a autoestima e a dignidade. Pode significar, também, o início de um grande sonho, possível, palpável.

É preciso pensar no aluno desta modalidade como um sujeito de direito, com potencial, que traz uma bagagem de experiências de vida que pode e deve dialogar com modelos interdisciplinares de currículo, plasmados em seus planos e metas pessoais.

Para os que não tiveram oportunidade de concluir os estudos e pensam em superar mais essa etapa, basta procurar a escola da rede municipal mais próxima e recomeçar.

Primeira Edição © 2011