Tratamento psiquiátrico divide opiniões

Nova política prioriza atendimento hospitalar

10/01/2018 11:05

A- A+

Agência Alagoas

compartilhar:

Dezesseis anos após a reforma psiquiátrica no País, o Ministério da Saúde finaliza mudanças na política de atendimento a pacientes com transtornos mentais, usuários de álcool e outras drogas. A nova regra prioriza esse tipo de atendimento em hospitais, ou seja, o oposto da corrente das últimas três décadas, de promover a desinternação. Polêmica, a proposta divide opiniões de profissionais e entidades do setor.

A ala da luta antimanicomial avalia que a mudança pode incentivar a criaçao de novos hospitais psiquiátricos e, posteriormente, a formação de manicômios - como o extinto Anchieta, em Santos. A medida seria contrária ao que diz a legislação que prevê, desde 2001, o fechamento gradual desses leitos no País.

"Trata-se da revalidação de algo obsoleto. Diversos países têm copiado o modelo brasileiro, que é o de tratamento em liberdade", afirma o ex-ministro da Saúde Arthur Chioro. Ao classificar a mudança como retrógrada, ele sustenta que a regra vai retirar direitos dos pacientes assegurados nas últimas décadas. "Isolar alguém em tratamento prejudica a sua recolocação social".

Choro assinou uma declaração contra a reformulação da política de Saúde Mental. O documento também tem o apoio dos ex-ministros da Saúde Agenor Alvares da Silva, Alexandre Padilha, José Gomes Temporão e Humberto Costa -todos ocuparam o cargo durante os governos dos petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

MAIS QUEIXAS

A psicóloga Ana Paula Durante também é contra a medida. "A decisão do governo remete ao cenário do tratamento de Saúde Mental que o País tinha durante a ditadura militar, baseado em técnicas ultrapassadas".

O psicanalista Reynaldo Corrales argumenta que a decisão rompe "com a lógica de desestruturação de manicômios". Ele também cobra um debate sobre o tema de forma ampliada, ouvindo a sociedade. "Quando o Ministério deixa de falar em extinção (de vagas), cria brechas para que os leitos sejam mantidos", opina.

O Conselho Federal de Psicologia (CFP), por meio de nota, diz que a mudança "contém pontos que desfiguram a política de Saúde Mental".

CONTRAPONTO

O Conselho Federal de Medicina (CFM) afirma ser favorável à proposta. Já a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) frisa que a nova estratégia vai ampliar a quantidade de leitos psiquiátricos e ajudar a diminuir o déficit dessas vagas.

Dados do Ministério da Saúde indicam existir no País 139 hospitais psiquiátricos, responsáveis pelo acompanhamento de 25 mil pacientes. Já o número de vagas para internação caiu de 53 mil em 2002 para 18 mil, em 2015.

"A situação da Psiquiatria no Brasil é caótica. Na Baixada Santista, é pior ainda. Qualquer paciente da região que precisar de uma internação precisa ir para São Bernardo do Campo ou Itapira (no Interior)", diz o psiquiatra Miguel Ximenes de Resende.

Ele afirma que o Polo de Atenção Intensiva (PAI) em Saúde Mental do Hospital Guilherme Álvaro, em Santos, reserva 25 leitos para atendimento emergencial a pacientes. Porém, segundo ele, por determinação judicial, todas essas vagas estão ocupadas para internação.

UNIVERSALIZAÇÃO

A ABP sustenta ainda que as novas medidas vão reformar o setor ambulatorial, para universalizar o atendimento de qualidade. O superintendente técnico da entidade, Antônio Geraldo da Silva, garante que a nova política deve alterar o panorama da assistência pública em Saúde Mental.

Dessa forma, a internação em hospitais gerais passará a acontecerem enfermarias especializadas, com a presença de equipe multidisciplinar, a fim de garantir uma atenção de qualidade e eficiente para o paciente. Ele afirma ainda que a regulamentação reforça o cuidado à prevenção ao suicídio.

Com as mudanças, a ampliação da capacidade de leitos psiquiátricos existentes em hospitais especializados vai facilitar a remoção de pacientes moradores dessas unidades. Isso porque apenas aqueles com quadros mentais agudos serão internados. Os demais, passariam por enfermarias especializadas de hospitais gerais.

Em nota, o Departamento Regional de Saúde (DRS) da Baixada Santista afirma existir sete pacientes internados via ações judiciais na unidade. O órgão estadual esclarece que a política de Saúde Mental prevê que os casos menos complexos sejam acompanhados ambulatorialmente nos Caps-AD (Centros de Atenção Psicossocial -Álcool e Drogas) das prefeituras. A internação só é indicada nos casos mais graves, mediante avaliação médica. O encaminhamento dos pacientes é feito pelos municípios.

 

CONTRA

"A nova proposta do governo para Saúde Mental é a revalidação de algo obsoleto. Diversos países têm copiado o modelo brasileiro, que é o de tratamento em liberdade"

Arthur Chioro

Ex-ministro da Saúde


A FAVOR

"A situação da psiquiatria no Brasil é caótica.

Na Baixada Santista, é pior ainda. Qualquer paciente da região que precisar de uma internação precisa ir para São Bernardo do Campo ou Itapira"

Miguel Ximenes de Resende

Psiquiatra

Primeira Edição © 2011