Na Chapada dos Veadeiros, angústia de gente e de bichos

26/10/2017 13:02

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Estadão

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A cinco quilômetros da vila, o Vale da Lua, conhecido pelas formações rochosas criadas pelo Rio São Miguel, foi tomado pelas chamas. “Só sobrou pedra e a água do rio”, conta José Francisco da Silva Pereira, o Zezinho, responsável por cuidar do local. “Levantamos desesperados pra tentar controlar o fogo, mas não deu tempo de fazer muita coisa.”

Tem sido assim há mais de uma semana, quando um dos principais patrimônios do Cerrado passou a ser destruído pelo fogo, no pior incêndio de que se tem notícia na região. Queimadas já atingiram mais de 62 mil hectares do parque (25,8% da área total), que em junho foi ampliado de 65 mil para 240 mil hectares e recebe cerca de 60 mil visitantes por ano.

Por onde se anda na região, se veem nuvens de fumaça. O pequeno aeroporto de Alto Paraíso, município conhecido por sua vocação para supostos pousos de óvnis, foi transformado em centro de gerenciamento das queimadas. Um sobe e desce constante de aviões e helicópteros desloca água, moradores, parafernálias contra incêndio e brigadistas.

O alvo das operações tem sido as regiões mais sensíveis, onde há moradores por perto. Nas contas dos agentes do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), responsável pela gestão do parque, cerca de 80% da área original do parque, aquela que ele tinha até junho, antes da ampliação, foi dragada pelo fogo. As trilhas do parque também foram atingidas. O local está fechado, sem data para reabrir. O aumento da área atendeu a uma demanda de ambientalistas e cientistas.

“Para nós, isso é uma tragédia não só ambiental, mas também de nosso meio de vida. O turismo já fugiu daqui. Algumas pessoas cancelaram reservas”, diz Leonilton Francisco Ferreira, gerente da pousada Trilha Violeta, em São Jorge. “Se Deus quiser, a chuva virá e vai amenizar esse drama.”

Fauna. Não há estimativas precisas sobre a mortandade de animais e aves na área afetada pelas chamas. Mas nada calou mais fundo a população do entorno que os cantos desesperados de milhares de araras azuis, ao verem as chamas se aproximarem de seus filhotes e ninhos.

“As araras voavam doidas, desesperadas, e faziam um barulho muito alto”, diz Leonilton. “Triste demais. É uma dessas coisas que a gente nunca vai esquecer na vida.” A região abriga ao menos 34 espécies da fauna e 17 da flora ameaçadas de extinção. Ali, também vivem o pato-mergulhão, a onça-pintada e o lobo-guará.

Há uma semana à frente de uma das brigadas que enfrentam o avanço do fogo, Valdeci Ceravalo afirma que boa parte das chamas já está controlada no parque, mas é preciso permanecer atento às cinzas. Isso porque muitas chamas têm ressurgido da terra, após avançarem pelas raízes, chão adentro.

Ao ver as equipes de combate ao fogo correrem até o helicóptero para acessar um novo foco de incêndio nas imediações, o agricultor orgânico Zizo Simion não resiste e bate palmas. Dos seus quase dois metros de altura, chora feito menino, em meio à poeira que sobe. “Parabéns! Vocês são guerreiros”, grita ele, sem ser ouvido.

Turismo torce por rápida recuperação do movimento

Empresários e operadores de turismo que trabalham na Chapada dos Veadeiros estimam que até 90% do movimento tenha sido reduzido com o incêndio. Apesar da gravidade, eles apostam numa recuperação rápida. Segundo os agentes, a maior parte das atrações turísticas está fora do perímetro do parque e, portanto, não foi diretamente afetada. No parque, a área aberta ao turismo tem quatro trilhas abertas – dessas, duas são as mais visitadas: a dos Saltos e a dos Cânions.

“As pessoas estão com medo de vir, mas só o parque nacional está fechado”, diz Hare Sol, sócio da agência de receptivo local Travessia Ecoturismo. Atrações como o Cânion Raizama e a Morada do Sol, em propriedades particulares, não foram atingidas.

Sol explica que, na região, os incêndios são comuns e a vegetação do Cerrado tem a capacidade de se regenerar rapidamente. “Com o incêndio controlado, em oito ou dez dias ela começa a rebrotar”, conta.

Jota Marincek, diretor da operadora Venturas, de São Paulo, também está otimista. “Há uns dois anos, a Chapada Diamantina (na Bahia) passou por algo parecido. O impacto no turismo é pontual”, diz. “O Cerrado tem o fogo no seu ciclo. Na Diamantina, após o incêndio, surgiram muitas flores.”

Primeira Edição © 2011