É duro morrer na lama!

27/06/2017 09:31

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Geraldo Câmara

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                          O caranguejo gosta, se esconde, se alimenta daquela lama de mangue, onde o seu caçador enfia a mão até o meio dos braços e vai buscá-lo para saciar e gratificar, com seu sabor, o homem, seu predador. Mas ele, o caranguejo não morre ali; seria indigno demais! Ele abre as garras de suas patas, tenta fugir de alguma forma da corda a que faz parte com seus companheiros, mas acaba morrendo com um estilete entre os olhos ou fervendo em água limpa que o faz admirado pelos mais aficcionados gastronômicos do mundo.

                         O homem não gosta da lama. Nasce e logo é limpo e oferecido ao mundo para ocupar lençóis de linho, belos ambientes, receber carinhos e tudo o mais. Nem sempre assim, forçando a própria natureza, a miséria o faz feio, sujo até, ainda que, nesses casos possa ter a alma limpa e virginal.

                          E aí o homem descobre que fugir da lama é uma meta. Um objetivo a ser seguido na vida e que deve fazê-lo de maneira correta, decente e honesta. Trabalhando com afinco em seu prol, em prol dos seus semelhantes, até com a ajuda deles, mas sem usá-los, o que seria melhor.

                          Mas aí, o homem descobre e gosta, cada vez mais, das coisas terrenas e materiais que mais o ajudam a ficar longe, muito longe daquela lama. E busca incessantemente o luxo bem distante do lixo.

                          No entanto, tudo aquilo que começara tão bem atiça o seu instinto humano de ganância, de ter mais, de passar obstáculos, de vencer barreiras, de chegar a destinos nunca dantes propostos. E, então ele procura os caminhos mais fáceis. Um deles, o da criminalidade comum, talvez não dê para pensar, até porque a concorrência é grande demais. Então, fantasiar-se, disfarçar seu instinto desonesto, seus objetivos, buscar caminhos públicos que lhe dê a capa da indestrutibilidade, do poder, da invulnerabilidade e, finalmente da impunidade.

                          O ser político assoma-lhe à mente e, apesar de saber que centenas de políticos o são bem intencionados, trabalhadores e fiéis aos seus compromissos com o povo, ele não poderia deixar de admitir que em nossa república, enfraquecida por inúmeros casos de corrupção, de enriquecimento ilícito, os caminhos, os mecanismos, as facilidades, as ferramentas, estavam todos ali ao seu dispor para continuar vivendo, crescendo, enriquecendo, por cima de tudo, de todos, do seu país. E ele acredita piamente que está acima do bem e do mal.

                           Um dia, uma noite talvez, ele cai numa armadilha qualquer que a vida comum oferece aos homens comuns. Mas ele esquece que também é um homem comum. E só pensa que pode comprar o que quiser, incluindo almas e dignidade. Ledo engano. Foi exatamente o dia em que a sua casa caiu.

                           O homem olhou à volta, sentiu fugir-lhe os pés. E gritou. Mas não pedindo socorro e sim atacando o mundo. Mas não com a humildade dos que se arrependem do caminho errado, mas com a arrogância dos que se acreditam corretos a despeito de tudo e de todos.

                           O homem estava sendo desnudado. Estava deixando cair a máscara do seu pseudo-sucesso. Estava deixando que todos à sua volta, parceiros ou não, conhecessem suas tramóias, suas intrigas, seus conceitos de amizade. E, então iniciou um processo de destruição dos que o acompanharam na sua trajetória suja e corrupta até que, ele próprio começou a sentir os primeiros toques dos seus pés com um terreno macio e envolvente, exatamente o terreno por onde ele, por tantos anos havia caminhado, sem sentir que chafurdava ao invés de andar.

                             O terreno havia nascido aos seus pés, através dos seus próprios atos. Construído com suas próprias mãos.

                             Nele, num belo dia de sol para todos os brasileiros, ele mergulhou. Descobrindo então, que era a sua própria lama.        

 

Primeira Edição © 2011