Dependentes químicos mudam de vida ao retornar ao mercado de trabalho

25/03/2017 14:38

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Agência Alagoas

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Sentado em frente ao microfone, o radialista Genilson Vieira tem sua voz levada pelas ondas do rádio, em São Miguel dos Campos, interior de Alagoas. Operar a mesa de áudio cheia de botões e interagir com os ouvintes faz parte de seu trabalho, que é motivo de orgulho para ele e sua família. Quem olha para o profissional dedicado hoje, não imagina o turbilhão devastador que o álcool causou em sua vida.

Genilson viu sua vida desmoronar com a dependência cada vez mais forte pelo álcool. Foram anos e anos de uso, até acabar com o casamento e se afastar da família. Nas ruas, ele chegou a dormir debaixo das bancas da feira livre da cidade e a comer restos de alimento em frente a restaurantes.

O prédio onde hoje funciona a empresa de rádio antes era um local de uso de drogas. “Neste mesmo lugar onde me afundei nas drogas, estou me reerguendo. Retornei. Só que agora trabalhando e com outra visão de mundo. Isso significa recomeço”, comenta ele.

Aos 48 anos, Genilson está há quatro anos sem usar nenhum tipo de entorpecente. A trajetória não foi fácil. “Quando cheguei à comunidade acolhedora Shalon demorei na abstinência, mas não desisti. Com o tempo, passei a perceber o trabalho que alguns dependentes mais antigos faziam lá dentro. Eles se tornaram meus exemplos”, explicou.

Após o tratamento na comunidade acolhedora, Genilson foi reconstruindo sua vida aos poucos. O retorno ao mercado de trabalho foi um passo primordial para que ele voltasse a viver como antes, longe das drogas e de ambientes vulneráveis.

“Voltar a trabalhar é tornar a acreditar em nós mesmos. É importante o acolhido ter a oportunidade de seguir outros caminhos ao sair da comunidade. Quando retomei o trabalho, eu percebia o olhar das pessoas. Era como se elas dissessem: ‘agora, sim, é o Genilson que eu conheço’”, enfatizou o ex-acolhido, que encontrou no pai forças para continuar.

‘Seu Juca’, pai de Genilson, também enfrentou problemas com o álcool, mas com muita força de vontade conseguiu superar e receber seu filho de braços abertos quando ele voltou ao convívio familiar. “Foi uma barra para todos nós. Genilson chegou ao fundo do poço. Hoje é um exemplo para todos. E como profissional, posso dizer que ele está bem melhor e mais dedicado que antes. Se não tivesse apoio seria muito difícil superar essa situação”, disse ‘Seu Juca’.

Inovação para acelerar a reinserção social e produtiva

Para abrir mais oportunidades de trabalho para dependentes químicos em Alagoas, a Secretaria de Estado de Prevenção à Violência (Seprev) criou o Agentes da Paz, um programa de reinserção social e produtiva de dependentes químicos que passaram por comunidades acolhedoras credenciadas pelo Governo de Alagoas.

“Um dos trabalhos é facilitar o ingresso no mercado de trabalho daqueles que acabaram ou estão acabando o tratamento em comunidades acolhedoras da Rede Acolhe. Sabemos o quanto é importante para esses dependentes químicos retomar suas vidas e viver longe dos ambientes vulneráveis”, explicou a titular da Seprev, Esvalda Bittencourt.

A política de reinserção social para dependentes químicos foi determinada pela lei 7.865/2017 de autoria do deputado estadual Carimbão Júnior e sancionada pelo governador Renan Filho no início do ano. Segundo a lei, órgãos da administração estadual direta ou indireta devem estabelecer, em contratos com entidades privadas, um percentual mínimo de vagas de trabalho para dependentes químicos recuperados.

Para o presidente da Associação Comercial de São Miguel dos Campos, Luiz Antônio, a iniciativa ajuda, inclusive, a romper preconceitos na sociedade. “Muitos não conseguem emprego porque são mal vistos pela população e pelas empresas. É importante oferecer suporte para essas pessoas que lutam para ter uma vida digna”, ressalta ele.

Algumas empresas privadas já contratam dependentes químicos como forma de contribuir com a reinserção social e produtiva. É o caso de uma distribuidora de bebidas localizada em São Miguel dos Campos. A empresa tem em seu quadro de funcionários o ex-acolhido Carlos Eduardo.

Carlos Eduardo atua como auxiliar mecânico e passou pela comunidade acolhedora Shalon para lutar contra a dependência do crack. Ele começou a usar álcool com apenas nove anos. Aos 11, passou a fumar cigarro. Aos 13, experimentou maconha. Aos 25 anos, viu sua vida arruinada ao se tornar dependente do crack.

A dependência fez com que ele abandonasse o antigo emprego e se afastasse da família. “Minha filha com três anos chegou a me ver fazendo uso do crack em casa”, revelou.

Ao entrar na comunidade, Carlos enfrentou as dificuldades da abstinência. “No começo foi difícil, mas aos poucos fui me adaptando à nova realidade. Lá, fiz cursos e capacitações. Estou há três anos sem fazer uso de nenhum entorpecente. Ter essa oportunidade de trabalho foi simplesmente incrível. É muito bom saber que nós temos valor na sociedade”, concluiu ele. 

Resultados e perspectivas

A Rede Acolhe foi a responsável pela recuperação de mais de 25 mil dependentes químicos de Alagoas, por meio do acolhimento voluntário em uma das 37 comunidades acolhedoras espalhadas por todas as regiões do estado e credenciadas pelo Governo Estadual.

A meta agora, a partir da criação do projeto Agentes da Paz, é identificar as necessidades deste total de acolhidos que ainda não se encontram no mercado de trabalho, capacitá-los e encaminhá-los para empresas e órgãos públicos conforme determinado pela Lei de Reinserção Social e Produtiva.

Primeira Edição © 2011