Na Lava Jato, ‘dinheiro privado está sem proteção’, diz professora

07/03/2017 11:54

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Estadão Conteúdo

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A professora de Direito da Fundação Getulio Vargas Érica Gorga afirmou nesta segunda-feira, 6, em evento promovido pelo jornal O Estado de S. Paulo, que a “Operação Lava Jato, com todos os méritos incontestáveis no combate à corrupção”, tem desprezado os crimes relacionados ao mercado de capitais e à tutela dos investidores. Segundo ela, o foco todo tem sido a proteção do dinheiro estatal, negligenciando a proteção do dinheiro privado.

Érica Gorga participou nesta segunda-feira, 6, do evento Fórum Estadão – Equilíbrio entre os Poderes, uma iniciativa do Grupo Estado, com o apoio da Fecomércio-SP e da Tendências Consultoria Integrada. “A proteção do dinheiro do investidor privado tem sido absolutamente negligenciada”, afirmou a especialista.

A falta de proteção ao investidor privado, na sua opinião, dificulta a recuperação da confiança e a retomada da economia. Segundo Érica, o Brasil tem leis que protegem o investimento no mercado de capitais que, no entanto, não têm sido aplicadas pelo Judiciário.

A questão, segundo Érica, é porque o Ministério Público e o Judiciário não aplicam a lei (7492/86) que define todos os crimes contra o sistema financeiro nacional.

Diversos estudos de acadêmicos renomados, ganhadores de Prêmio Nobel, disse a professora, mostram que existe uma correlação positiva entre proteção do investimento acionário, segurança jurídica do investidor e crescimento econômico. Este seria um dos pontos que explicariam por que a retomada da atividade estaria patinando.

Érica afirmou que, apesar de a Petrobras ter sido vítima das ações ilícitas de seus colaboradores, por um lado, os diretores que participaram de atos ilícitos eram representantes da empresa. Portanto, a empresa é culpada e seus investidores são vítimas. “Tenho dificuldade de entender por que as companhias brasileiras são consideradas somente vítimas. Esse é um desserviço da Operação Lava Jato. O Moro (juiz Sérgio Moro, responsável pela operação) tem rasgado o Direito privado brasileiro.”

A responsabilidade das companhias está na Lei de Sociedades Anônimas e é um dos pilares do Direito Comercial brasileiro, observou. As normas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Lei das Sociedades Anônimas têm sido infringidas e desconsideradas, de acordo com a professora.

A crítica de Érica recai sobre o fato de o investidor brasileiro, tanto o grande como o pequeno, não ser ressarcido dos prejuízos causados por má gestão ou por ações ilícitas, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos.

Como exemplo, a professora citou o caso da empresa americana de energia Enron, no início dos anos 2000. Não só o presidente da empresa, Jeffrey Skilling, condenado a 14 anos de prisão, foi obrigado a indenizar com os próprios recursos os investidores, como também a empresa.

Grupo X

Em contrapartida, a professora observou que, no Brasil, o empresário Eike Batista, do Grupo X, foi preso preventivamente por desvio de dinheiro público e pagamento de propina na gestão do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral. “Acho curioso isso: e pelo desvio de dinheiro privado? Tudo bem desviar bilhões de investidores de todas as ofertas públicas do Grupo X?”, questionou Érica.

A economia americana se recupera rápido das crises, observou a professora da FGV, pois corrige rápido suas falhas. Isso faz com que os investidores não percam a confiança no país, ao contrário do que vem ocorrendo no Brasil.

Segunda perda

A professora lembrou ainda que os investidores minoritários brasileiros em empresas investigadas nos EUA poderão sofrer uma segunda perda, quando a Petrobras tiver de ressarcir os investidores lesados no mercado americano: esse dinheiro deverá sair dos cofres da empresa. Ela lembrou da onda de processos que companhias brasileiras consideradas de primeira linha têm sofrido nos EUA. Esses investidores que compraram papéis no mercado americano agora querem ser ressarcidos.

No Brasil, não há ações para indenizar os investidores e os processos administrativos, capitaneados pela CVM, são limitados. Além disso, as multas são anacrônicas, disse a professora. “Se a empresa roubar bilhões, a CVM só vai poder aplicar multa de, no máximo, R$ 500 mil, enquanto a SEC (órgão regulador do mercado de capitais americano) pode dar multa de bilhões de dólares que serão usados para pagar os investidores”, explicou.

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