Com a cumplicidade das redes sociais, o homicídio se torna um espetáculo

27/08/2015 06:25

A- A+

The New York Times

compartilhar:

De uma forma triste, não houve nada de novo, nem mesmo incomum, na morte televisionada de dois jornalistas na Virgínia na manhã de quarta-feira (26).

Morte pela TV ocorre com uma regularidade assustadora desde o advento do meio; como a morte a tiros de Lee Harvey Oswald, o assassino do presidente John F. Kennedy, por Jack Ruby em 1963, e a queda do World Trade Center em 11 de setembro de 2001. A perspectiva da morte aparecer repentinamente em nossas telas é tão comum quanto macabra.

Mas de outra, o vídeo das mortes a tiros na Virgínia postado por Bryce Williams, cujo nome verdadeiro é Vester Lee Flanagan e que seria o atirador que matou dois de seus ex-colegas de trabalho na emissora de televisão WDBJ, é um desvio assustador em uma era de compartilhamento online e documentação ubíqua em vídeo.

As mortes parecem ter sido habilmente arquitetadas para máxima distribuição, e semear pavor máximo, pelo Twitter, Facebook e celulares. O vídeo que Flanagan mostra é uma execução em close, em primeira pessoa. Ele foi postado apenas depois que suas contas nas redes sociais se tornaram amplamente conhecidas, enquanto a polícia estava à procura do assassino.

E diferente de mortes anteriores televisionadas, estas não foram apenas transmitidas, mas amplamente distribuídas de modo viral, explorando a cumplicidade de milhares, talvez milhões de usuários das redes sociais, que não podiam evitar, a não ser assistir e compartilhar.

O horror foi a compreensão, à medida que o vídeo se espalhava pelas emissoras, de que o assassino tinha previsto aquilo –que contava com a mecânica desses serviços e com nossa incapacidade de resistir em compartilhar o que ele tinha postado. Para muitos, essa compreensão ocorreu tarde demais. Nesses serviços, o assassino sabia, você frequentemente aperta para retuitar, curtir ou compartilhar antes de perceber o que acabou de fazer.

O Twitter e o Facebook agiram rapidamente para suspender as contas de Flanagan. Mas não rápido o bastante. Quando sua presença social foi suspensa, seus vídeos já tinham sido amplamente compartilhados por jornalistas e usuários comuns, saindo da Internet para os programas de TV, e baixados e repostados por toda a Internet –onde, com alguma busca rudimentar, provavelmente permanecerão acessíveis por tempo indeterminado.

Também encontrado após as mortes foi uma demo postada no YouTube, mostrando que Flanagan aspirava se tornar um astro de televisão. Não causa surpresa, dada sua familiaridade com o assunto, que ele pareça bem versado no que se tornou o ritual de homicídio na mídia.

Ele parecia saber, por exemplo, que em uma nação na qual dezenas de milhares de pessoas são mortas por armas de fogo a cada ano, a morte de duas pessoas não se tornaria uma notícia internacional se não fosse filmada: como costuma se dizer online, "Fotos, ou não aconteceu". Assim, ele esperou até que as câmeras da WDBJ estivessem transmitindo ao vivo antes de agir.

Mas como repórter, ele também parecia entender a mórbida atração irresistível do vídeo produzido pelo cidadão –a gravação trêmula em looping contínuo de um incidente, que se transformou em um espetáculo comum no noticiário de TV. Portanto, ele se certificou de também produzir seu próprio vídeo. De acordo com a prática de nossa era móvel, ele segurou sua câmera verticalmente, em uma mão, lhe permitindo segurar sua arma na outra.

Ele também pode ter previsto que como em qualquer tiroteio com ampla cobertura, os repórteres correriam para pesquisar sobre o assassino na Internet assim que um nome vazasse. Flanagan estava pronto, suas contas nas redes sociais preparadas com uma foto profissional e fotos de infância. Então, assim que seu nome começou a ser mencionado online, ele aparentemente fez o login no Twitter e Facebook para começar a postar o esboço de uma defesa e uma explicação, assim como seu próprio vídeo das mortes.

Houve inicialmente alguma dúvida no Twitter sobre a autenticidade do relato do assassino –ceticismo justificado, porque o perfil montado às pressas de um atirador também se tornou um modelo do ritual com que esses incidentes são cobertos. Mas então a conta do assassino, @bryce_williams7, começou a ser atualizada ao vivo, eliminando as dúvidas.

Ao longo de 20 minutos pelo Twitter, o atirador atualizou seu status meia dúzia de vezes, culminando com a postagem do vídeo das mortes. Ele reuniu rapidamente milhares de seguidores, o tipo de acolhida arrebatadora nas redes sociais geralmente reservada as astros pop e chefes de Estado.

Houve incerteza ao compartilhar. Os usuários expressavam reservas ao repassarem o perfil e tweets do atirador. Pessoas passaram a pedir ao Twitter e Facebook que agissem rapidamente para retirar do ar as contas dele. Houve questionamentos sobre ética jornalística na postagem do vídeo da transmissão ao vivo da WDBJ e do vídeo do próprio assassino, dado que era exatamente o que ele estava esperando.

Mas essas questões não realmente influenciaram em nada, um testamento do poder dessas redes de explorar cada um de nossos desejos subconscientes e automáticos de testemunhar e compartilhar. Os vídeos se disseminaram amplamente, criando um novo caminho aos niilistas para ganharam um momento sob os holofotes da mídia: um exemplo que, dado seu sucesso em obter ampla publicidade, muito provavelmente será seguido por outros.

Primeira Edição © 2011