Mulher constrói barraco de papelão em pleno coração financeiro do Rio

03/04/2015 08:01

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O Globo

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A Igreja da Candelária, um dos principais monumentos religiosos do Rio, fica a alguns metros. Numa caminhada apenas de cinco minutos, chega-se a um ponto de onde se pode ver o Pão de Açúcar e a Baía de Guanabara. Tudo isso com farta opção de transporte e comércio. O ponto nobre é, há cerca de três semanas, endereço da moradora de rua Shirley da Conceição Andrade e Silva Barros, de 36 anos. Sem qualquer repressão, ela ergueu seu barraco na esquina da Av. Presidente Vargas com a Rua Uruguaiana. Nesta sexta-feira, ela pintava de branco sua casa em pleno coração financeiro do Centro.

Comerciantes e as pessoas que passam pelo local reclamam da sujeira. A advogada Monica Szerman fez um périplo por repartições públicas e procurou ajuda nas secretarias de assistência social do estado e do município, sem sucesso. Foi pessoalmente à prefeitura, onde obteve uma orientação kafkiana: a solicitação só poderia ser feita pelo telefone 1746.

— Seria ótimo se atendessem — diz Mônica. — A situação é muito precária. O local está cheirando mal demais.

Por nota, a Secretaria municipal de Assistência Social disse que agentes iriam ao local na noite desta sexta-feira, mas — sem se referirem ao barraco na rua — alegou que o recolhimento é voluntário.

BANHEIRO ‘INSTALADO’ JUNTO À AGÊNCIA BANCÁRIA

A casa improvisada onde Shirley da Conceição vive no Centro do Rio foi erguida com restos de papelão, madeira e compensado. Um pouco afastado do cômodo principal, próximo à pilastra de concreto do prédio de uma grande agência bancária, fica o banheiro. Pequeno, cercado de papelão. Dentro, num varal, há roupas íntimas penduradas.

Completando o ambiente, do lado de fora há um criado mudo com duas gavetas, uma cadeira e muito papel velho. Uma cena nada agradável para quem costuma almoçar em dois restaurantes nas imediações, agora com vista para o barraco.

— É muito desagradável. Outro dia passei por ela e a mulher não gostou. Eu fiquei olhando, ela xingou. Tem dia que ela consegue sabão em pó e lava a calçada. Ninguém pode chegar perto — afirma uma comerciária.

Shirley conta uma história longa de como foi parar ali. Carioca nascida no subúrbio do Rio, foi morar no Piauí quando casou, há 20 anos. Lá, teve três filhos. Em março do ano passado, abandonou tudo e voltou para o Rio, solteira. Foi morar no Santo Cristo, onde alugou um quarto por R$ 350. Trabalhava como vendedora de biscoitos, mas, sem conseguir pagar o aluguel, foi parar na rua.

— Estou aqui há cerca de um mês. Arrumo tudo, sou limpa — garante Shirley.

Na tarde desta sexta-feira, usando um grande rolo de pincel preso ao cabo de um vassoura velha e um balde cheio de tinta, a mulher pintava de branco o barraco. Quem passou na hora precisou se proteger para não acabar sujando a roupa.

— Está gostando? Vou pintar tudo de branco — diz Shirley.

A construção, a sujeira no local e a movimentação da moradora de rua naquele trecho de calçada chamavam a atenção de todos. Menos de um grupo de guardas municipais e de policiais militares que observavam tudo de longe:

— Não é nossa atribuição — disse o chefe do grupo, sem se identificar.

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