Pequenos crimes e grandes ameaças à biodiversidade existente na Caatinga

Operação de fiscalização flagra crimes que colocam em risco flora e fauna existentes no sertão alagoano

17/04/2013 08:34

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IMA

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O único bioma genuinamente brasileiro é a caatinga. Em Alagoas há remanescentes significativos localizados na região semi-árida do estado. A rica biodiversidade enfrenta pequenos e frequentes crimes ambientais que se transformam em grandes impactos à existência de flora e fauna. O resultado é o crescimento de paisagens com aparente dificuldade de recomposição. Durante dois dias de operação o Instituto do Meio Ambiente (IMA) e o Batalhão de Polícia Ambiental fez sérios alertas à população.

Nas rodovias principais que interligam os municípios e que servem de principal rota para quem adentra em direção ao sertão alagoano ou mesmo de quem segue daquela região para o litoral ou zona da mata, é possível avistar pequenos focos de fumaça, pequenas montes de madeira retirada das árvores localizadas nos fundos de alguma pequena propriedade, pequenas produções de carvão que servem às casas e às famílias acostumadas com os fogões de lenha, entre tantos outros pequenos usos.

Há também outros nem tão pequenos. Há os que intermedeiam e estimulam atividades que podem se transformar em graves crimes ambientais. Como é o caso de Rosalvo Ricardo dos Santos, de 69 anos. No primeiro dia da operação (09) ele foi surpreendido pelo IMA e pelo BPA. Na varanda da casa dele havia 35 sacos de carvão amontoados, 33 deles foram recolhidos, os outros dois foram perdidos na tentativa de retirada.

O argumento do agricultor: “esse carvão aí é só para passar o inverno, a gente usa só pra cozinhar o feijão”. Mas, a vizinha, com olhar desconfiado e sem querer conversar muito, explica que cada saco era vendido a R$ 11. Na casa do vendedor o fogão a gás foi identificado pelo Capitão Orsi, do BPA. Rosalvo foi advertido pelo IMA e ainda recebeu um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO).

Próximo a casa dele, aos pés das serras, as áreas com desmatamentos localizados, acompanhados por queimadas se multiplicam próximas aos roçados. O problema se agrava porque o senhor Rosalvo, que provavelmente compra e revende o carvão, e outros produtores que têm utilizado o corte e a queima para limpar áreas, vivem nos povoados Moreira e Lagoa das Pedras.

Os dois estão localizados no entorno do Refúgio de Vida Silvestre dos Morros do Craunã e do Padre, a Unidade de Conservação criada pelo decreto estadual nº 17.935, de 27 janeiro de 2012. Ela possui área de 1.086,57 hectares ou 10,86 km², totalmente inseridos no município de Água Branca, conforme dados da Diretoria de Unidades de Conservação do IMA. O local é de grande beleza cênica e de grande importância para a manutenção da biodiversidade, abriga espécies significativas da flora e fauna, como o Gavião da Serra, também conhecido como Águia Chilena, uma ave migratória.

No alto do morro Craunã há algumas faces, uma delas, o lajedo da Pedra Montada , a 600m acima do nível do mar as pedras sobrepostas e equilibradas estimulam a percepção dos visitantes. Afora a exuberante vista da região. Há espécies como “mororó, catingueira, angico, feijão-bravo, umbuzeiro e pau-ferro, pereiro, barrigudas, bromélias, facheiro, mandacaru”, entre outras, comenta Rosângela Lyra, curadora do Herbário MAC.

Na Lagoa das Pedras a madeira também era transformada em carvão na extração irregular de calcário. A área foi identificada e o forno maior, o principal que servia para cozinhar as pedras – depois quebradas e transformadas em pó – foi destruído pela equipe do IMA e polícias do BPA. Mais sete sacos de cal foram apreendidos. Bem próximo, foram destruídos mais dois fornos utilizados para a produção de carvão.

Agricultores dos dois povoados, assim como do Alto dos Coelhos e do Tingui, também foram visitados ou abordados e orientados sobre o perigo das práticas predatórias ou criminosas. “Nós temos que levar em consideração que há questões sociais e culturais, mas temos que alertar a população. Porque há anos atrás havia uma disponibilidade maior de recursos naturais e se não cuidarmos poderemos ter problemas sérios, como a diminuição gradativa das fontes hídricas, por exemplo”, disse Adriano Augusto, diretor-presidente do IMA.

 A afirmação encontra amparo nas atividades de educação ambiental organizadas pelo Instituto na região e estimuladas junto a moradores dos povoados, agentes pastorais e professores. “Antigamente muita gente pensava que eram as raízes das árvores em volta dos barreiros que faziam a água secar. Eu falei e ainda converso muito com eles sobre isso. Porque depois tira a árvore e a água evapora ainda mais rápido. Tem que insistir e informar mais esse povo”, comenta Odete Oliveira, moradora do Tingui e atuante na pastoral da criança.

 Na região a fauna ainda é expressiva, mas segundo relatos dos moradores parece ter diminuído nos últimos anos. A explicação é a ação predatória, como a caça para alimentação e comércio. Há espécies típicas que sofrem como o mocó, o macaco-prego, o gato-do-mato-pequeno, esse último “ameaçado de extinção e de difícil observação na natureza”, explica o biólogo Lahert William.

 Durante a operação, entre os dias 09 e 10, o BPA apreendeu 28 passarinhos. Entre eles havia galo de campina, extravagante, curió, rolinha, patativa e a cravina ou Maria de fita. A maioria foi solta na serra do Meiruz, em Pão de Açúcar, local onde ainda há significativos remanescentes da caatinga e há pelo menos duas belas nascentes que, mesmo em tempos de seca, se mantém com água. “Tem uns passarinhos desses que há muito tempo não se vê, eles quase não aparecem. Acho que se não cuidar, daqui pra frente a gente só vai ver nos livros”, disse Cícero Alves da Silva, secretário de Meio Ambiente de Pão de Açúcar.

 Ali a equipe que participava da operação flagrou um trabalho que coloca em risco tanto a biodiversidade como a vida dos trabalhadores. Um grupo, sem qualquer infra-estrutura ou equipamento de segurança, fazia a extração de pedras transformadas em paralelos e vendidas a R$ 100 ou R$ 150 o milheiro. A média de ganho mensal dos trabalhadores vai de R$ 200 a R$ 500, a depender da produção.

Eles não quiseram se identificar, mas disseram que precisam daquela atividade para sobreviver. Um deles chegou a mostrar uma das mãos faltando três dedos. “Nós consideramos os problemas sociais, mas essa é uma atividade extremamente perigosa, ainda mais se for utilizado algum tipo de explosivo. Além disso, é uma exploração que precisa estar licenciada para poder ser acompanhada”, disse Adriano Augusto enquanto orientava os trabalhadores a se reunir em algum tipo de organização coletiva para encontrar a legalidade.

 Esse grupo ajudou os policiais a soltar os passarinhos de volta na mata e enquanto os trabalhadores abriam as gaiolas repetiam “esse aqui eu nunca mais tinha visto” ou “eles bebem água ali na nascente”. Próximo à Serra, no Assentamento Bezerra, o agricultor Benício de Oliveira Lisboa armazenava uma grande quantidade de madeira cortada na caatinga próxima a casa dele. Ele também foi abordado na operação e mais uma vez o argumento “a gente aqui só usa lenha para cozinhar”, mesmo assim a quantidade denotava comércio.

 Ainda no município de Pão de Açúcar, dois empresários locais foram advertidos sobre a retirada de areia na praia. No local, os vestígios são as grandes crateras ou declives causados pela extração irregular. Segundo informações dos moradores que estavam por perto, a areia depois era vendida a R$ 10 o metro. “Podíamos levar todos presos em flagrante, mas estamos advertindo e esperamos que isso não se repita mais”, alertou o Capitão Orsi do BPA.

 Ao entrar na área de transição, entre Caatinga e Mata Atlântica, próximo ao município de Arapiraca, mais uma atividade irregular. Dessa vez a extração de barro, bem próximo a pista e sem qualquer tipo de licença. Os motoristas e proprietários das caçambas, assim como da escavadeira, receberam um TCO e o proprietário da terra foi multado em mais de R$ 8 mil.

A caatinga

A caatinga é considerada um bioma recente, estima-se que tenha cerca de 10 mil anos e, segundo dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) pode ser encontrado nos estados do Ceará, Bahia, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe e Alagoas, além de uma área do Maranhão e de Minas Gerais.

“É um bioma único pois, apesar de estar localizado em área de clima semi-árido, apresenta grande variedade de paisagens, relativa riqueza biológica e endemismo”.

Uma das características mais marcantes é a ocorrências de secas, que contribuem diretamente com as características locais: as plantas que perdem as folhas, e chegam a ter aspectos de secas, os galhos retorcidos e a grande “quantidade de plantas espinhosas, entremeadas de outras espécies como as cactáceas e as bromeliáceas”.

Em Alagoas, ela pode ser encontrada principalmente na Mesorregião Geográfica do Sertão Alagoano, a segunda maior do estado e que ocupa “o equivalente a 32% do território e abrange 26 municípios”, conforme dados da Gerência de Geoprocessamento da Diretoria de Unidades de Conservação do IMA, reunidos e divulgados no livro Cobertura Vegetal do estado de Alagoas.

Formada pelas microrregiões Serrana do Sertão Alagoano – Pariconha, Água Branca, Mata Grande Inhapi e Canapi; do sertão do São Francisco – Delmiro Gouveia, Olho Dágua do Casado, Piranhas; de Santana do Ipanema – Ouro Branco, Maravilha, Poço das Trincheiras, Santana do Ipanema, Dois Riachos, Senador Rui Palmeira, Carneiros, São José da Tapera; de Batalha – Olivença, Major Isidoro, Jaramataia, Batalha, Belo Monte, Jacaré dos Homens, Monteirópolis, Olho D’água das Flores.

A Mesorregião Geográfica do Agreste Alagoano “é uma área de transição, pode ocorrer aspectos de Caatinga e de Mata Atlântica. No agreste a evapotranspiração é intermediária”, explicou Ricardo César, diretor técnico do IMA. 

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