Santuário do Caraça, em Minas Gerais, reúne natureza rica e construções antigas

Região é a melhor do país para se observar o lobo-guará

15/04/2013 15:10

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O Globo

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O Caraça é o melhor lugar do Brasil para ver, sem esforço e bem de pertinho, o lobo-guará, que bate ponto toda noite no adro da igreja neogótica de 1883. Um animal majestoso, de pelagem cor de fogo, pernas pretas, compridas e finas, e rabo branco. Mas, enquanto seu lobo não vem, o Caraça é para tomar banho em cachoeiras e poços, andar por trilhas largas e estreitas, almoçar e jantar no refeitório ruidoso, de imensas mesas de madeira compartilhadas. E para subir picos, afinal está cercado pelas montanhas da Serra do Espinhaço. A cerca de 470 km do Rio e 120 km de Belo Horizonte, com acesso pela cidade mineira de Santa Bárbara, o Caraça vale a visita sempre, seja de férias ou em um feriado mais prolongado. Inspire-se nas palavras de Dom Pedro II, que deixou seu real contentamento registrado no Livro de Ouro do Caraça, quando de sua passagem por lá, em 1881: “Só o Caraça paga toda a viagem a Minas”. E faça logo as malas.

Fundado em 1774, pelo Irmão Lourenço, para ser uma casa de hospedagem para peregrinos e visitantes, o Santuário do Caraça pertence, hoje, à Província Brasileira da Congregação da Missão. É uma Reserva Particular do Patrimônio Natural, com mais de 12 mil hectares de área de transição entre Mata Atlântica e Cerrado, dez cachoeiras, permanentes ou temporárias, ribeirões, córregos e duas lagoas. A taxa de visitação custa apenas R$ 7, mas, para melhor explorar toda a área — e ainda poder observar o lobo-guará ao cair da noite — convém se hospedar na pousada gerida pela Província, dentro dos limites do parque. As acomodações e os serviços prezam pela simplicidade dos padres vicentinos. Pela manhã, se quiser ovos mexidos no café, você mesmo deve prepará-los num fogão a lenha que fica logo na entrada do refeitório. Os quartos não têm ventilador, ar-condicionado, telefone, DVD ou TV. E você não vai sentir a menor falta desses pequenos luxos, tantas são as oportunidades de caminhadas.

De duração e dificuldade variadas, as trilhas são bem sinalizadas. No Centro de Visitantes, monitores orientam sobre os passeios. Para distâncias acima de seis quilômetros, como o Campo de Fora, o Vale da Bocaina e os picos, é preciso contratar um guia. Há sete picos no Caraça: do Sol, do Inficionado, Canjerana, Verruguinha, Três Irmãos ou Trindade, Conceição e Carapuça. O primeiro, com 2.072 metros, é o mais alto deles. Já o Pico do Inficionado, com 2.068 metros, guarda a Gruta do Centenário, a maior e mais profunda caverna de quartzito do mundo, com 500 metros.

Entre as trilhas para se percorrer sozinho está a que leva à Prainha, às margens do ribeirão Caraça, de menos de um quilômetro. Outra trilha curta vai até o Banho do Belchior e os Pinheiros, de onde, vista de longe, a silhueta da Serra do Espinhaço forma um grande rosto de perfil — a caraça. A Pedra da Paciência, no meio do caminho para a Cachoeira da Bocaina, também é um excelente ponto para fotos dessa enorme cara. E, para banho, tem ainda a Cascatona, uma sequência de quedas e piscinas naturais com 80 metros de desnível, alcançada após seis quilômetros e cerca de duas horas por trilha de Mata Atlântica, consideravelmente fechada. Vermelhas do ácido húmico, folhas e raízes em decomposição, as águas do Caraça são tão belas quanto frias. No inverno, é difícil aguentar mais de cinco minutos com o corpo submerso. Sorte que a pousada, abastecida pelas águas que nascem entre as rochas e deixam o cabelo sedoso, tem aquecimento central.

Caraça. Um santuário natural e religioso

Ao caminhar pelas trilhas, mantenha nariz, olhos e ouvidos atentos. O Caraça tem mais de 1.400 espécies de plantas, como carqueja, alecrim, erva-cidreira, angico, cedro, peroba, canela e jacarandá, além de 205 tipos de orquídeas e mais de 132 variedades de abelhas. De aves, são cerca de 339 espécies, sendo 71 endêmicas da Mata Atlântica, quatro do Cerrado e quatro dos topos de montanha do Sudeste do Brasil. Primatas são cinco variedades, incluídas entre 66 de mamíferos. Na trilha para a Cascatinha, queda de 40 metros, busque por rastros pequenos, ovalados, uma almofadinha e quatro dedos com as unhas bem marcadas. É o lobo


A hora do lobo é um ritual que se repete há 30 anos. Em 1982, os padres notaram que animais de grande porte reviravam os tambores de lixo. Eram os guarás. Começaram, toda noite, a colocar uma bandeja de carne e frutas em cada portão do Santuário do Caraça e elas amanheciam remexidas. Subiram com a bandeja para o adro da igreja. O lobo-guará foi atrás. Durante dois anos os guarás foram monitorados por satélite. Descobriu-se que, em todo o parque, existe apenas um casal e os filhotes do ano. Quando os pequenos crescem, há luta entre os machos e entre as fêmeas e os derrotados são expulsos, permanecendo apenas um casal em toda a área do Caraça. Independentemente da comida que os padres oferecem, eles continuam caçando ratos, gambás, coelhos, preás, cobras, sapos e aves como a jacutinga e a saracura.

Hoje em dia, o jantar do lobo é servido pontualmente às 19h30m e o local enche de gente à espera do animal. Ele sobe a escadaria da igreja pé ante pé (ou pata ante pata), as orelhas se movimentando como um radar, prontas para captar qualquer movimento. Nem precisava. Na hora em que ele chega para comer, por um minuto não dá para ouvir sequer a respiração dos turistas. Logo que o lobo ganha um pouquinho de confiança, vêm cliques e flashes das muitas máquinas fotográficas. Enquanto o guará se alimenta no adro, porta adentro da Igreja Nossa Senhora Mãe dos Homens acontece a missa diária. O Caraça, que já foi colégio e seminário, tem o primeiro templo neogótico erguido no Brasil, construído sem mão de obra escrava e todo com material regional: pedra-sabão retirada de perto da Cascatona, mármore das proximidades de Mariana e Itabirito e quartzito da Gruta do Centenário.

Os vitrais da igreja, no entanto, vieram da França. Com o brasão do Império abaixo do Menino Jesus, o vitral central foi doado por Dom Pedro II. De Portugal, veio a imagem barroca de Nossa Senhora Mãe dos Homens. A igreja tem ainda órgão com 628 tubos e conserva a Ceia de Mestre Ataíde, pintada em 1828. Repare na figura de Judas, sentado à frente de Cristo, com uma sacola de dinheiro nas mãos, cujo olhar parece seguir os visitantes pelo templo. No altar principal, está o corpo de São Pio Mártir, o primeiro corpo de santo trazido para o Brasil. Um soldado romano, morto por professar a fé cristã, chegou ao Caraça em 1797, como presente do Papa Pio VI.

Em 1968, um incêndio tomou o Caraça, onde estudaram os presidentes Afonso Pena e Artur Bernardes, encerrando as atividades do colégio. Dos 50 mil volumes da biblioteca, salvaram-se 15 mil. Hoje, são 30 mil livros, a maior parte deles franqueada à leitura dos hóspedes da pousada. Há vários exemplares dos séculos XVI, XVII e XVIII. O mais antigo é “Historia naturale”, impresso em Veneza em 1489. O mais pesado, “Palmeiras do Brasil”, do botânico João Barbosa Rodrigues, impresso em 1903 em Bruxelas, em dois volumes, o primeiro com 12,5 quilos e o segundo, com 10,8 quilos. Obras do Padre Antônio Vieira, 200 dicionários e a “Ilíada”, de Homero, em sete idiomas, dividem as prateleiras com coleções de Machado de Assis, Humberto de Campos, Gilberto Freire e Eça de Queiroz. O prédio da biblioteca conta, ainda, com um museu com antigas peças de claustro e uso diário, além das camas do século XIX onde dormiram Dom Pedro II e Dona Teresa Cristina quando visitaram o Caraça.

Como chegar

De carro: Quem parte do Rio pode ir pela BR-040 até Conselheiro Lafaiete, já em Minas Gerais. A partir daí, segue-se para Ouro Branco, Ouro Preto, Mariana e Catas Altas, onde o caminho para o Santuário do Caraça é bem sinalizado. Se a opção for pegar um avião até Belo Horizonte e alugar um carro na capital mineira, o trajeto é pela BR-381, sentido Vitória, até a MG-436, passando por Barão de Cocais, onde também há placas que indicam o Caraça.
Os meses mais secos, ideais para caminhadas, vão de maio a setembro. De outubro a abril pode chover, mas é o período mais indicado para os banhos nas cachoeiras e poços. Qualquer que seja a época do ano, lembre-se de fazer uma mala mista, com roupas leves e agasalhos.

Primeira Edição © 2011