A nova cara dos empregados domésticos

07/04/2013 19:01

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O Congresso Nacional promulgou, na última terça-feira (2), a Emenda Constitucional nº. 72 que concedeu outros direitos aos empregados domésticos, integrando-os os demais à classe de trabalhadores no país. Por meio da alteração empreendida na Constituição Federal, ficou estabelecida igualdade de direitos entre os trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais, com a inclusão de direitos suprimidos até então suprimidos.

A história do país certifica, de fato, a sujeição dos empregados domésticos a um tratamento distintivo despropositado e sem o mínimo de razão, dando a impressão da existência de uma subclasse de trabalhadores dentro do sistema legal. A partir de agora, o país reconhece, à evidência, a isonomia de direitos entre todos os trabalhadores, o que não poderia ser aceito pela manutenção descabida na violação frontal da Constituição quanto ao espírito insculpido sistematicamente em seu próprio texto.

Para se ter uma compreensão geral do contexto discriminatório mantido pela legislação do país, revelando uma proposta intencional de alocar os domésticos a uma classe inferior em titularidade de direitos, apenas, na década de 70, as primeiras linhas regulamentativas foram criadas, conferindo aos mesmos direitos expressos e exercitáveis. Foi através da Lei nº. 5.859, de 11 de dezembro de 1972, que os empregados domésticos puderam ter aglutinados especificamente alguns direitos apesar de limitativos e claramente diferenciadores em relação aos demais agrupamentos de trabalhadores. Embora tais circunstâncias, considerou-se avanço na regulação dos direitos dos domésticos, sem dúvidas.

À época, era admitido ao patrão efetuar descontos nos salários dos empregados domésticos a título de despesas com alimentação, vestuário, higiene e moradia, numa manifesta vontade do legislador em confirmar a relés importância da classe no universo de trabalhadores brasileiros. Ainda, o período de férias compreendia lapso menor de gozo, o que demonstrava o prestígio escancarado ao tratamento desigual dado pelas vias legítimas do Poder.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, o constituinte originário comportou-se covardemente, talvez pelas raízes coloniais e históricas ainda enraizadas nos meandros da consciência coletiva do país, mantendo os mesmos direitos aos empregados domésticos (salário mínimo, décimo terceiro salário, repouso semanal remunerado, férias, licença-gestante, licença-paternidade, aviso prévio e aposentadoria) ao invés de contemplar a igualdade como garantia fundamental do cidadão, isso além de afrontar seu próprio objetivo republicano concretizado na promoção do bem de todos sem erigir qualquer forma de discriminação.

No tempo, pregava-se a democracia como acepção cogente na novel ordem constitucional. Todavia, a flagrante distinção de direitos afugentava a concreta consecução desse ideal. E, assim, permaneceu a gama de direitos intocável até a égide da Lei nº. 10.208/01 que facultou o ingresso dos domésticos ao sistema – não obrigatório – do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).

Posteriormente, e compassivo à patente forma discriminatória que se perpetuava na legislação aplicável, a Lei nº. 11.324/06 passou a não permitir mais os abatimentos sobre os salários dos domésticos referentes à alimentação, vestuário, higiene e moradia, ampliando, ainda, o tempo de gozo das férias de 20 (vinte) dias para 30 (trinta) dias) e outorgando-lhes expressamente o direito à estabilidade provisória pela constatação de estado gravídico, o que significou, inquestionavelmente, um suspiro na ânsia de tornar a igualdade como valor supremo no tratamento de todos os trabalhadores no país.

No entanto, ainda se persistiam essas diferenças – de caráter vergonhoso e de muito mau gosto, sustentadas pela própria legislação brasileira, especialmente pelos altos impostos cobrados dos patrões que acabavam por conter eventuais modificações legais nesse viés. A falta de manejo das leis tributárias (que não previam modos diferenciados de cobrança fiscal nesses casos), e o próprio descompromisso dos legisladores brasileiros em assegurar a consecução isonômica de direitos impuseram aos empregos domésticos o amargo sabor de uma distinção legitimada em contradição com as modernas regras de proteção ao trabalho incutidas no cenário internacional, isso sem falar da discrepância notória nos fins sociais colacionados no bojo da Constituição Federal.

Com a finalidade de reparar os efeitos das penas impostas pela legislação aos domésticos ao longo da história brasileira, a nova Emenda Constitucional propõe a equivalência material de direitos entre todos os trabalhadores, rechaçando a essência desqualificada e não-isonômica da lei trabalhista que manifestamente desprestigiava uma classe significante para economia do país ainda que por via indireta.

Assim, outros direitos foram expressamente alargados aos empregados domésticos, pondo-os como titulares de todos direitos previstos no art. 7º, da CF, como o pagamento obrigatória do FGTS, seguro-desemprego, auxílio-creche e salário-família, jornada de trabalho de 44 (quarenta e quatro) horas semanais, horas extraordinárias de, no mínimo, 50% superior ao valor normal, e adicional noturno, de modo a reconhecer e resgatar o verdadeiro valor da profissão à luz de um idêntico tratamento constitucional.

Em que pese a necessidade de regulamentação por lei de determinados direitos (a exemplo do FGTS e seu levantamento na demissão sem justa causa, salário-família e auxílio-creche) – que será complementada pela legislação ordinária, e do expectativa do mercado quanto ao aumento do desemprego desses trabalhadores, a modificação da Constituição, na forma como ultimada, revela-se como indiscutível vitória dos empregados domésticos por prevalecer a ideário republicano e democrática da igualdade nas relações de trabalho.

Ao Poder Público incumbe a tarefa da implementação de políticas públicas e fiscais a fim de equalizar os ônus e encargos surgidos, sobretudo com a criação de mecanismos e procedimentos simplificados no que tange ao cumprimento das obrigações tributárias, capazes de conter ou mesmo diminuir a elevação dos índices de desvinculação empregatícia da classe. Para alegria, há sinalização neste sentido no Congresso Nacional e a perspectiva é que a regulamentação saia em três meses, de acordo com informações repassadas pelo Relator da Comissão Mista de Consolidação das Leis, Senador Romero Jucá (PMDB-RR).

Agora, resta esperar e ver como a sociedade se comporta com essas alterações.
 

Primeira Edição © 2011