"Concerto para clarinete" mostra fluência contemporânea de Magnus Lindberg

02/12/2012 14:30

A- A+

Folha de São Paulo

compartilhar:

Faz parte da missão de uma orquestra como a Osesp dialogar com as diversas faces do contemporâneo. Além da mescla de obras escritas recentemente com outras mais tradicionais -- unidas por um tema comum --, esse diálogo pode também ser direto, isto é, através da encomenda de novas peças e do contato direto com compositores de destaque.

Quase todas as encomendas tem sido feitas a compositores brasileiros (foram cinco nesta temporada e estão previstas outras sete para 2013). Mas um dos momentos mais aguardados do ano tem sido, tradicionalmente, a semana em que a orquestra recebe um compositor internacional escolhido.

Em 2011 esteve aqui o inglês Thomas Adès, e para 2013 está confirmada a vinda de Lera Auerbach, jovem compositora de origem russa que apresentará uma co-encomenda da Osesp com a (orquestra alemã) Staatskapelle Dresden.

Esta semana foi dedicada a Magnus Lindberg. É difícil rotular o estilo do compositor finlandês; aos 54 anos, ele faz parte de uma geração bem sucedida de músicos nórdicos que inclui o maestro e compositor Esa-Pekka Salonen, seu conterrâneo.

A trajetória de Lindberg parte das complexidades estruturais do pós-guerra, mas abrange o espectralismo francês, a vanguarda da improvisação e até o punk rock berlinense. Tudo isso está presente em sua música -- mas não explica ela ser como é.

A Osesp preparou dois programas com suas obras, num total de cinco peças executadas. A titular Marin Alsop regeu "Parada", de 2001, e o "Concerto para clarinete e orquestra" (2001-2) em apresentação que teve também a "Sinfonia n.4" de Sergei Prokofiev (1891-1953).

Com solo do clarinetista finlandês Kari Kriikku, a quem a obra foi dedicada, o "Concerto" foi o momento mais interessante do programa estreado na quinta-feira: meia hora ininterrupta de virtuosismo instrumental, acompanhado por Alsop e Osesp com extrema segurança.

A formação solista com orquestra encontra o seu ponto historicamente mais bem sucedido nos muitos bons concertos para piano e -- em número bem menor -- em algumas obras para violino e violoncelo do repertório.

Para além desses instrumentos, a presença regular de outros poucos nas temporadas internacionais tem sido sempre pontual. Entre eles está sem dúvida o "Concerto para clarinete" de Mozart (1756-91), obra cheia de graça escrita no último ano de vida.

Há uma fluência na escrita solista de Lindberg que parece emergir desse passado, embora forma e sonoridade sejam de outra ordem. O "perpétuo devir" wagneriano -- apontado por Regina Porto -- está na raiz de sua poética, que parece empurrar tudo adiante, sem dó de abandonar cada momento conquistado com minúcia.

Ao lado da (admitida) influência da "Primeira Rapsódia para Clarinete" de Debussy (1862-1918), ecos do "Concerto para violino" de Alban Berg (1885-1935) também teimavam em ressoar, e se somavam ao brilhante controle das ressonâncias, uma arte à parte do compositor finlandês.

O público acompanhou com interesse. Pareceu ligeiramente impaciente durante parte da cadência, mas no fim aplaudiu com gosto. Essa é uma obra que merece ser ouvida mais vezes, o que é o caso também de "Parada", cuja parte principal traz um jogo entre estaticidade e mobilidade através de blocos harmônicos submetidos a espasmos de timbre.

Na segunda parte ouvimos a "Terceira" de Prokofiev, que será tema do segundo CD da Osesp regida por Alsop. O álbum fará parte da integral das sinfonias do compositor russo especialmente encomendada pelo selo Naxos.

A autoconfiança técnica de Prokofiev é tão intensa que pode levar sua música a um inesperado vazio representativo. Mas Marin Alsop nunca cai no jogo dos efeitos: segue passo a passo a escrita, desmembra e depois junta cada detalhe. E é assim que a arte do compositor aparece.

Primeira Edição © 2011