Bob Dylan, uma biografia contada a partir do palco

Escritor pontua com concertos a vida do cantor

08/07/2012 14:20

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Jornal do Commercio

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Washington D.C, 1963, Nova Iorque, no Madison Square Garden, 1974 e Tanglewood, 1997 (e mais um, em Aberdeen, em 2009) A partir destes quatros shows de Bob Dylan, em fases cruciais de sua carreira, o jornalista e músico Daniel Mark Epstein traça a biografia, do mais importante nome da música folk e pop americano dos anos 60, no livro A balada de Bob Dylan - um retrato musical (Zahar, 513 páginas, R$ 59.90). Uma biografia bem diferente, na qual o biógrafo está em cena, mas sem tomar parte no enredo, observador à distância. O primeiro show remonta ao começo da carreira de Bob Dylan como gênio precoce do folk, mas ainda pouco conhecido fora deste círculo. Foi a primeira vez que o autor assiste a Dylan, e ele delineia detalhes de forma minuciosa. Do preço dos ingressos (3,50 dólares), ao repertório.

Epstein, então adolescente, sabe-se um privilegiado. Assistiu o nascimento de uma estrela de primeira grandeza. Em 1963, Dylan, com 22 anos, escrevia com uma voracidade de quem temia que a bomba explodisse sobre sua cabeça no dia seguinte: The times they’re a-changing, Boots of spanish leather, Ballad of Hollis Brown. Tem-se a impressão inicial de que vai se ler a narrativa de um fã. Impressão que se dissipa pro volta da página 40. Quando ele descreve como o estudante Bob Zimmerman, caipira de Dulluth, Minnesota, Meio-Oeste, se transforma numa espécie de Rimbaud, com uma biografia de personagem de Mark Twain, que vence na vida em Nova Iorque: “Era uma vez um menino que aportou num orfanato em Gallup, Novo México, no começo dos anos 1940. Parte índio sioux, parte irlandês/inglês/galês/nativo de Oklahoma, ele fora abandonada ainda criança. Tinha sido envolto em panos e deixado nos degraus da casa de um bom samaritano, que entregou o menino ao orfanato, de onde foi encaminhado a um lar adotivo. Eles chamavam de Bob Dylan”.

Ao contar a vida de Bob Dylan, Epstein não acrescenta muito às centenas de obras existentes sobre o compositor de Blowin in the wind: “Ele tentou o nome Elston Gunn por um tempo, depois Robert Allyn, mas de ler alguns poemas de Dylan Thomas, mudou decisivamente para Bob Dylan”. Definitivamente. Em agosto de 1962, por sugestão do empresário Albert Grossman, ele alterou o nome oficialmente. Há 50 anos, pois, Robert Allen Zimmerman morria.

Quando Epstein descreve o Bob Dylan que viu quando fazia a ponte entre o promissor cantor folk para um mito americano, em apenas dois anos, entende-se porque ele se destacou na efervescente cena folk nova-iorquina, onde podia se ouvir numa mesma noite, no Village, Tom Paxton, Eric Endersen, Juddy Collins, Joan Baez, Ramblin Jack Elliot, Phil Ochs e Odetta.

Talvez porque Bob Dylan fosse tão autenticamente folk que refazia canções tradicionais que era editadas como suas. Lord Randall é um antiga balada anglo-escocesa sobre um sujeito que vai visitar sua amante perversa e depois, pacientemente, responde às inquietas perguntas de sua mãe sobre o encontro. Tom Paxton aconselhou Dylan a colocar uma letra, escreve Epstein. Lord Randall virou a épica A hard rain is gonna fall: “Quando o poeta Allen Ginsberg a ouvi pela primeira vez, verteu lágrimas de uma alegria amarga – alegria, pois sabia, naquele momento, que o verdadeiro espírito de Walt Whitman havia sobrevivido intacto por cem anos, e amarga porque o cantor era testemunha de um apocalipse”, escreveu Epstein. Desde o início Bob Dylan aprendeu a refazer canções alheias. Baby let me follow you down, do seu álbum de estreia, é uma atualização em Mama, let me lay it on you, por sua vez, atualizada em 1930, pelo reverendo Gary Davis, um lendário bluesman cego.

Retrabalhar canções era comum no meio da música folk. Paul Clayton, cantor e autor folk que vivia em Nova Iorque,quando Dylan surgiu, é autor de um clássico, Gotta travel on, que pegou de Harlem blues, de W.C. Handy. Clayton ensinou a Dylan várias canções folk, entre estas uma de sua autoria, Who’s gonna buy you ribbons when i’m gone, que Dylan reaproveitaria numa música que seria responsável pelo seu primeiro milhão de dólares: Don’t think twice it’s all right. A editora de Paul Clayton processou a gravadora de Bob Dylan (a Columbia/CBS). Os dois continuaram amigos. Clayton morreu de uma overdose alguns depois, pobre e esquecido.

Tanglewood, 1997. O autor de A balada de Bob Dylan, vai a um show do cantor, acompanhando do filho, adolescente, fã do Nirvana, para cuja geração Dylan não diz muita coisa. Mas que para os americanos é um mito definitivo e inquestionável.

UM MITO

 Em menos de dez anos a carreira de Bob Dylan transcorreu em ritmo vertiginoso. Aos 24 ele já era um ídolo pop da estatura dos Beatles. É sua mítica turnê de 1966, quando virou roqueiro, vaiado em praticamente todos os shows pelos admiradores da música folk que o consideravam traidor de uma causa que Dylan tratou logo de renegar: “Não existe mais preto e branco, esquerda e direita para mim... Estou tentando seguir em frente sem pensar em nada tão trivial como política”, disse num trecho de um desastrado discurso, no Emergency Civil Liberties Comitee, quando foi receber o prêmio Tom Payne por serviços prestados à causa dos direitos civis (estava com 22 anos), concedido no anterior ao filósofo e pacifista inglês Sir Bertrand Russel.

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Dylan passará do final do anos 60 até os primeiros anos da década seguinte recluso. Duvida-se até que o famoso acidente de moto, que o terá deixado imobilizado por mais de ano, tenha sido realmente tão grave. Ele reapareceu quando o rock and roll virava uma indústria, e a turnês investimentos milionários. Bob Dylan não tinha culpa disto, nem se recusou a ser mais uma peça nesta engrenagem. Continuou a ser o compositor inspirado, com discos memoráveis, a exemplo Blood on the tracks, de 1974.

No entanto o tempo o tornou, bigger than life, grosso, modo, maior do que na vida real. Todas suas dúvidas filosóficas, que o levaram a abraçar o cristianismo, judaísmo, divorciar-se duas vezes, nada interessa. Quando Epstein assistiu a mais um show de Bob Dylan, em Aberdeen, em 2009, quem estava ali era um mito, quase um dogma, um roqueiro, cujas letras são estudadas na escola, e viram teses acadêmicas.

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