“Contas rejeitadas por dolo poderão barrar candidatos”

Advogado Marcelo Brabo Magalhães garante que Ronaldo Lessa está livre para disputar eleição deste ano

02/07/2012 04:23

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Jornal Primeira Edição

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Político com conta rejeitada pelo Tribunal de Contas da União está inelegível, se ficar comprovada a prática de dolo. É o que afirma o advogado Brabo Magalhães, consagrado especialista em Direito Eleitoral.

Em entrevista exclusiva à repórter Luciana Martins, ele disse a lei da Ficha Limpa e explica que políticos como a ex-prefeita Kátia Born e o deputado estadual João Beltrão, condenados por improbidade em juízo de primeiro grau, só serão atingidos por penalidade se a condenação for confirmada em instância colegiada (um tribunal).

Magalhães também traz luz a um assunto que tem sido explorado ao longo do atual processo eleitoral: o ex-governador Ronaldo Lessa, candidato a prefeito de Maceió, é elegível, não tem nenhum impedimento legal que o afaste da disputa eleitoral deste ano. Sobre a composição da Câmara de Maceió, ele diz que a indefinição continua.

Os políticos que tiveram contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) estão inelegíveis de acordo com a Ficha Limpa?
Não obrigatoriamente. O Tribunal de Contas da União não pode dizer quem é legível e quem é inelegível, ele apenas está apontando quem são os políticos que tiveram as contas rejeitadas. A Justiça Eleitoral vai analisar possivelmente caso a caso e observando não apenas a rejeição de contas, mas, principalmente, se existe a figura do dolo; saber qual foi a natureza da rejeição de contas, se foi apenas formal, se houve prejuízo, se foi execução financeira, se foi execução de obra, e aí, se existir a figura do dolo, ocorrerá inelegibilidade. Enquanto isso, não.

Condenação ao pagamento de multa – no TRE ou TSE – enquadra o indivíduo na Lei da Ficha Limpa?
Num primeiro momento, não. A lei complementar 135, a exemplo do que havia na lei complementar 64, exigia a declaração expressa da inelegibilidade, mas só que existem algumas lacunas na lei complementar 135 que dão a possibilidade de enquadramento na multa. Isso a Justiça Eleitoral é quem vai dizer no futuro. O meu sentimento pessoal é que não.

A seu juízo, a Ficha Limpa é uma lei normativa ou punitiva?
Caráter dúplice: normativa quando estabelece os tipos, mas, com caráter punitivo, não vejo como afastar. Muita gente diz que é critério, mas eu não entendo assim, acho que muitos dos tipos lá existentes são sanções. E isso terminou sendo reconhecido não na totalidade, mas em alguns casos na eleição passada: o grande exemplo disso é o Ronaldo Lessa.

Critica-se a Lei Complementar 135/2010 por aplicar a mesma pena (ou regra) a delitos de gravidade diversa. Isso poderia mudar?
Poderia. A lei complementar 135 é uma lei de iniciativa popular, ninguém pode desmerecer até porque o povo sempre tem razão, mas o que ocorreu foi que os políticos não acreditavam na sua efetividade e terminou não se discutindo os tipos. No meu sentir é preciso uma reforma política eleitoral séria, urgente, inclusive fazendo algumas incursões na lei complementar 135.

O que acontecerá se um candidato impugnado, com base da Ficha Limpa, recorrer?
Continua normalmente como candidato, praticando todos os atos de campanha. Agora, o TSE, desde as eleições de 2008, mudou um pouco o entendimento. Antigamente, se o candidato estivesse recorrendo, ele tomava posse, mas o TSE desde 2008 entendeu de uma maneira diferente evitando a diplomação e a posse, deixando temporariamente que os presidentes de Câmaras assumissem o mandato enquanto se definia sobre elegibilidade ou inelegibilidade.

Dá para afirmar que a Ficha Limpa saneou o cenário eleitoral alagoano deste ano?
Não acredito até porque a tendência natural da Ficha Limpa, se a gente fizer uma análise, numa projeção de futuro, isso vai ocorrer, mas, num primeiro momento, não, até porque vai haver inúmeras discussões e sempre o Judiciário vai ponderar a aplicação da Lei da Ficha Limpa com alguns princípios e critérios. Por exemplo, direito adquirido, ato jurídico perfeito, irretroatividade da lei – então pode ocorrer que em alguns casos haja punições e em outros, não – a depender da análise desses princípios e critérios.

Pelo que é de seu conhecimento, existe algum impedimento à candidatura do ex-governador Ronaldo Lessa?
Não. Puxamos toda a vida do Ronaldo e constatamos que só haveria duas discussões que poderiam vir à tona quanto à Justiça Eleitoral: uma já resolvida por completo, relativa à eleição passada, aquela condenação que ele teve das eleições de 2004 (quanto a esta o TSE concluiu por entender que a pena tinha sido cumprida e não vai mudar esse entendimento. Não só pelo entendimento de que a pena já foi cumprida, como também pela circunstancia de que hoje no cenário da Casa existem ministros remanescentes daquela época). Então de uma forma ou de outra o entendimento nosso é que não muda. O Ronaldo tem outra situação, relativa ao crime de honra. Bem, esse crime (como outros) é visto como de pequeno potencial ofensivo e foi excluído da Ficha Limpa. E mesmo que não tivesse de fora da lei, tem a circunstância de que o processo está tramitando. Os advogados dele na área criminal interpuseram os embargos de declaração em que há inclusive uma discussão quanto à prescrição que pode ou não ser acolhida, mas, enquanto não transitado em julgado, não há suspensão dos direitos políticos; por conseguinte, ele é elegível.

O Juízo da 14ª Vara Cívil de Maceió condenou a ex-prefeita Kátia Born (atual secretária Estadual da Mulher) a perda de cargo público e inelegibilidade por três anos, por improbidade administrativa. A pena é aplicável já?
Não. Essas penas dependem obrigatoriamente, de acordo com a lei complementar 135 – Ficha Limpa – de serem confirmadas por um órgão colegiado. O presidente do Tribunal colocou uma comissão para assessorar, mas continua sendo uma decisão do juiz da 14ª Vara e, mesmo sendo assessorado por uma comissão, continua com a natureza de vara individual e, portanto, dependendo da confirmação ou não do Tribunal de justiça.

O deputado estadual João Beltrão também foi condenado (por comissão de juízes do TJ-AL) a perda do cargo e inelegibilidade por desvio de dinheiro da Assembleia Legislativa. A imunidade parlamentar pode neutralizar a sentença?
Não, a imunidade parlamentar não pode imunizar e nem trazer nenhum efeito para esse tipo de sentença, mas, a exemplo do que ocorre com a ex-prefeita Kátia Born, depende da confirmação por um órgão colegiado para que haja inelegibilidade.

A Lei de Improbidade Administrativa alcança políticos exercentes de mandato popular?
Alcança e o maior exemplo disso é o deputado João Beltrão. Se mais adiante houver uma decisão colegiada, ele ficará inelegível.

De outra forma: com base na Lei de Improbidade, a Justiça de primeiro grau pode afastar um deputado do exercício do mandato?
No meu entender, não. E eu me oriento pelo consagrado entendimento do Supremo Tribunal Federal de que o mandato popular só quem pode tirar é a população. A justiça pode sim tirar, desde que haja trânsito julgado. O político pode temporariamente ser afastado se demonstrar que está dificultando a coleta de provas ou de algum modo obstruindo ou atrapalhando.

Existe alguma novidade na legislação eleitoral deste ano?
Inúmeras, até porque a lei complementar 135 é uma lei que Supremo considerou constitucional, mas é uma lei ainda não testada, ninguém tratou tipo por tipo como vai se aplicar. E tem algumas situações novas, algumas vanguardistas e outras por si só preocupantes. Por exemplo: a pessoa que foi excluída do seu órgão de classe, um advogado, no âmbito da OAB, pode ser excluído até mesmo por não pagar as anuidades; se ele tiver três punições consecutivas por não pagamento de anuidade, ele é excluído. Ninguém está livre, estou falando de advogado, mas pode ocorrer em qualquer classe. Outra situação, essa na minha ótica por demais vanguardista, e espero que a justiça aplique, que é a situação das fraudes das relações de parentesco. Alguém que terminou se separando para concorrer ou que terminou negando uma união estável: se reconhecido num determinando momento pela justiça e confirmado de que houve a fraude, não fica inelegível apenas a pessoa que é postulante do mandato, mas também aquela que conestou para a prática da fraude. E o maior exemplo disso é São Miguel dos Campos onde a inelegibilidade atinge a ex-prefeita Rosinha de Santos por sua relação com o ex-prefeito Nivaldo Jatobá.
 

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