Dívidas vão retardar o consumo para 2013

19/06/2012 06:37

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Jornal do Comércio

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O esforço do governo para ampliar o consumo através da redução de juros bancários e de incentivos, como o corte de impostos, só deverá ter efeito significativo a partir do segundo trimestre de 2013. Segundo economistas, as taxas de endividamento e inadimplência devem entrar em trajetória declinante a partir dos próximos meses, mas não o suficiente para reconduzir os consumidores às compras de bens duráveis, especialmente carros, ainda neste ano.

Segundo o economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados, os consumidores que fizeram dívidas de longo prazo para compra de carros estão fora do mercado. Seja por estarem no limite do endividamento pessoal ou porque suspenderam o pagamento e entraram na lista de inadimplentes. “Quem está pagando o carro não vai trocar de carro tão cedo e quem deixou de pagar está impedido de fazer outra compra no momento”, diz.

A inadimplência nesse segmento, segundo dados do Banco Central, passou de 5,7% em março para 5,9% em abril, maior taxa desde junho de 2000. O Indicador de Inadimplência do Consumidor da Serasa Experian subiu 6,2% de abril para maio, acumulando a terceira alta consecutiva.

A tendência é que daqui para o final do ano os consumidores de um modo geral renegociem suas dívidas e terminem de pagar seus compromissos, mas o movimento de retorno ao consumo será bem mais lento do que o esperado pelo governo. “Certamente que vai ter mais consumo, mas há um caroço a ser digerido no resto desse ano e no primeiro semestre do próximo ano até que seja reduzido o peso desse endividamento”, diz Barros, reforçando que as vendas da indústria automobilística não crescerão mais de 2% em 2012 e devem acompanhar a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) no próximo ano. “E quando voltar o consumo, ele não será a taxas explosivas como em 2009”, reitera o economista.

Para estimular imediatamente a demanda, o economista Amir Khair avalia que o governo teria que agir rapidamente para reduzir o custo do crédito. A pressão para diminuição dos spreads por meio de concorrência dos bancos públicos teria que ser acompanhada, segundo ele, de tabelamento imediato de taxas bancárias e de cortes mais fortes da Selic para o nível de 5% ao ano. Com isso, Khair diz que o governo abriria espaço, no orçamento das famílias, para novas compras e dívidas.

“A taxa de juros ao consumidor precisa sair dos 105% ao ano para 10% ao ano até o final de 2013”, afirma o economista, sugerindo que essa média de custo recue para, ao menos, 50% até o final deste ano. Segundo ele, se nada for feito nesse sentido, a inadimplência ficará estancada em níveis altos, de 6% a 7%, e o endividamento ficaria na faixa de 22% da renda até 2013.

Mendonça de Barros avalia que as reduções de juros e custos de crédito feitas até agora são positivas, mas só terão efeito a partir do segundo trimestre, quando o endividamento estiver mais baixo e os inadimplentes conseguirem voltar a consumir. “Daí sim, haverá um efeito mais forte. Mas, no curto prazo, os estímulos não funcionarão e o crescimento econômico será mais fraco mesmo.”

O espaço entre a fatia atual de comprometimento de 22% da renda com dívidas e o limite de 30% estabelecido pelo setor financeiro seria ilusório segundo Barros, pois nas faixas de renda C, D e E, essa média já estaria em 26% da renda. Além disso, dentro da classe C cerca de 25% das famílias já superou o limite de 30% da renda com dívidas, o que representa 5,8 milhões de famílias.

Calote só deve cair no segundo semestre deste ano, prevê estudo da Serasa Experian

Pesquisa mensal realizada pela Serasa Experian para medir a tendência dos níveis de inadimplência nos próximos meses mostrou que os atrasos nos pagamentos entre os consumidores devem seguir diminuindo até o fim do ano, mas que os das empresas custarão a cair. A companhia informou que seu Indicador de Perspectiva da Inadimplência do Consumidor caiu 1,4% em abril na comparação com março, para 95,8 pontos. Foi o nono recuo mensal consecutivo, um movimento que, de acordo com a Serasa, sinaliza que o nível de inadimplência dos consumidores será menor no segundo semestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado e também ao primeiro semestre de 2012.

“O ritmo menor de crescimento no endividamento do consumidor, o maior rigor na concessão de crédito por parte dos agentes financeiros, a manutenção das taxas de desemprego em níveis historicamente baixos e a continuidade dos ganhos salariais acima da inflação deverão sustentar a queda da inadimplência dos consumidores, especialmente na segunda metade deste ano”, avaliou a empresa por meio de nota.

Já entre as empresas, o Indicador de Perspectiva da Inadimplência da Serasa cresceu 1% em abril de 2012, para 106,6 pontos. Os atrasos de pagamentos das pessoas jurídicas já não crescem mais com tanta intensidade, mas, apesar disso, devem continuar em nível elevado nos próximos meses, segundo a companhia. “O lento processo de reativação do crescimento econômico, o nível ainda elevado da inadimplência dos consumidores e o agravamento da crise financeira internacional tenderão a postergar a concretização de uma trajetória de queda mais consistente da inadimplência das empresas”, observou a Serasa Experian.

O gerente da Divisão de Macroeconomia da BB DTVM, Marcelo Arnosti, analisa que os altos níveis de emprego, o crescimento da massa salarial e a possibilidade de refinanciamento de dívidas por causa do processo de redução de juros em curso no Brasil são fatores que prenunciam a queda do calote em um prazo de cerca de três meses. “A inadimplência pode até subir um pouquinho no curtíssimo prazo, mas cederá neste segundo semestre”, afirmou.

Economista sugere aumento dos gastos públicos

O economista-sênior do Espírito Santo Investment Bank, Flávio Serrano, diz que com a capacidade de endividamento dos consumidores esgotada no momento, o governo terá de fazer concessões e ampliar o gasto público. “Nós pregamos austeridade, mas em situações, como essa, isso é válido”, diz.

Serrano acrescenta que é incerto o sucesso dos estímulos do governo para que os brasileiros voltem a consumir, tendo em vista a necessidade atual de sanear o orçamento familiar. “Nos próximos meses, a tendência da inadimplência é de queda, mas o endividamento ainda está alto. Então, acreditamos que a resposta a estes estímulos para o consumo não será tão veloz como foi depois da crise (em 2009)”, diz Serrano.

Um fator que pode contribuir para a retomada do consumo é o ciclo curto de endividamento, com média inferior a dois anos. Para Luis Otávio Leal, economista-chefe do Banco ABC Brasil, a partir deste mês, os compradores inadimplentes conseguirão renegociar suas dívidas a taxas mais baixas, o que também deve ajudar a dar uma folga na capacidade de consumo. Além disso, a média de endividamento de 22% da renda deve cair nos próximos três meses e ficar abaixo de 20%, prevê o economista.

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