O PT mudou, mas Lula não tem outro PT

05/06/2012 15:18

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Romero

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Lula foi, senão o fundador, o grande inspirador do Partido dos Trabalhadores. Líder sindical no agitado ABCD paulista no início dos anos 80, era o símbolo da resistência operária ao movimento militar já então decadente, e foi com essa credencial, de trabalhador e líder, que atraiu para sua órbita um time seleto de intelectuais e artistas que acreditavam na gestação de uma legenda ética, inovadora, avessa ao velho fisiologismo das siglas tradicionais.
Mas o Lula baluarte das lutas sindicais transfigurou-se na presidência da República. Crítico implacável dos impostos massacrantes, não se pejou em dizer, meses após assumir o Planalto: “Se está pagando muito imposto é porque está ganhando bem”. Faz sentido, mas colide frontalmente com o discurso dos tempos em que o tributo era uma forma odiosa de punir o cidadão que trabalha e produz, em benefício dos burocratas parasitários.
Nada obstante, Lula se saiu bem no governo. Herdou uma economia estabilizada e teve a devida visão para concentrar esforços num ponto crucial: impedir a volta da inflação. Com Henrique Meirelles no Banco Central, manteve o curso do Plano Real cujo fundamento era justamente o equilíbrio entre preços e salários.
Lula, por isso, venceu o desafio de presidir uma nação continental e problemática. E surpreendeu exatamente porque, não sendo instruído, não tendo formação universitária, alimentou uma expectativa pessimista que se desfaria à medida que a economia, seguindo a receita herdada de FHC, mantinha o poder aquisitivo da população e fazia a cadeia produtiva multiplicar a geração de empregos por obra de um milagre: com o fim da inflação, o dinheiro que vivia aplicado no mercado financeiro foi redirecionado para o mercado produtivo, ou seja, para o setor que emprega.
Agora, não dá para misturar Lula com o PT. Depois do mensalão, sobretudo, o partido original, que se propunha introduzir no Brasil um socialismo sem dogmas, comprometido, antes de tudo, com a moralidade, esse partido deixou de existir. E impediu que Lula se consagrasse, não como apóstolo das maiorias famintas, não como um advogados dos párias e excluídos, mas como um estadista acima de títulos e conceituações acadêmicas.
Homens de bem existem no PT (aqui mesmo em Alagoas há exemplos disso), mas o partido que projetou a imagem altiva e irretocável de seu fundador não soube ou não teve como materializar, tornar prático ao menos no terreno da coerência, o discurso lúcido e essencial que lhe deu origem.
Unidos num amálgama que poderia ter forjado uma simbiose perfeita, Lula e o PT se separaram, lenta e gradualmente (e ao peso dos escândalos sucessivos) tal como uma célula sã escapa de uma metástase num corpo em irremediável decomposição.
No íntimo, Lula sabe disso, como sabe (aprendeu, exercendo o poder), que a antropofagia acaba sendo prática inevitável a quem pretenda sobreviver em comunhão com canibais políticos. Seguramente, o que Lula diz do PT não é o que Lula pensa do PT. Hoje, seria impossível colocar as duas entidades em um mesmo plano.
A propósito, como se sairá o PT nas eleições, com a campanha correndo paralela ao julgamento dos mensaleiros no Supremo Tribunal?
 

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