Silva: riacho que já foi rio agoniza

Considerado rio de classe 1, no passado, Riacho do Silva já teve água apropriada para consumo humano, banho e lazer – e agora está ameaçado de virar esgoto a céu aberto

27/04/2012 14:02

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Marcelo Alves e Márcio Ândrei

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Sobrevivendo em meio ao lixo, o Riacho do Silva, o primeiro manancial de água potável que abasteceu Maceió, corre sério risco de se transformar em esgoto a céu aberto. Vários de seus trechos estão com a qualidade comprometida devido à poluição e à degradação ambiental como assoreamento, urbanização irregular e desmatamento. Para conhecer de perto sua triste situação, a reportagem do site Primeira Edição percorreu trechos do velho riacho e constatou a poluição. Nossa equipe conversou com pessoas preocupadas com a preservação do Riacho do Silva, como o líder comunitário Ricardo Pereira e o engenheiro agrônomo Valdir Martiniano.

De rio, o Silva virou riacho e caminha célere para se transformar esgoto a céu aberto

Márcio Ândrei

De acordo com o decreto estadual nº 3.766, de 30 de outubro de 1978, que enquadrou os cursos d’água do Estado de Alagoas na classificação estabelecida pela Portaria GM – 0013, de 15 de janeiro de 1976, o Riacho Silva já foi classificado como rio classe 1, cujas águas se destinam ao abastecimento doméstico direto com ou sem prévia desinfecção, ou seja, seu líquido era apropriado para beber, tomar banho e o lazer.

Márcio Ândrei Também preocupado com a situação do Riacho do Silva, o professor e engenheiro agrônomo da Secretaria Municipal de Proteção ao Meio Ambiente (Sempma), Valdir Martiniano, realizou durante dois anos uma pesquisa sobre a qualidade da água da bacia do Silva. O resultado do estudo, que resultou em dissertação para obtenção do título de mestre em Recursos Hídricos e Saneamento pela Universidade Federal de Alagoas, constatou que as águas do velho manancial só servem como diluídor de esgoto, além de abastecer a comunidade aquática, como passarinhos e compor a harmonia paisagística.

Com base na análise do riacho, Valdir Martiniano verificou que a quantidade de água diminuiu e sua qualidade está comprometida. Segundo o engenheiro agrônomo, na década de 1980 a profundidade do Riacho do Silva era de sete metros e atualmente não passa de 30 centímetros.

O estudo de Valdir Martiniano constatou que em alguns trechos do Riacho a taxa de oxigênio dissolvido (OD) na água está abaixo para manter vivos algumas espécies de peixes, mais tolerantes. De acordo com o engenheiro agrônomo, a quantidade de OD apurada é de menos de 2mg.Márcio Ândrei

A qualidade sanitária também está comprometida. Segundo Martiniano, há pontos no Riacho do Silva em que foram registrados 600 mil coliformes fecais por 100 mililitros d’água, quando o permitido, para banho, natação e ski aquático é de mil coliformes fecais por 100 mililitros. “E para beber é que alguns trechos do Riacho do Silva não servem mesmo, pois a legislação prescreve que só se deve beber água sem qualquer indício de coliformes fecais”, disse.

A taxa de cloreto nas águas do Riacho do Silva chega a atingir 100 miligramas, contaminando os peixes com metal pesado. A salinidade foi outro agravante verificado na pesquisa. O trabalho de Martiniano intitulado “Efeitos das ações antrópicas na qualidade da água da bacia do Riacho do Silva, em Maceió-AL” não se resume apenas a esses tópicos.Márcio Ândrei

Martiniano constata que a causa de toda degradação do riacho decorre do desmatamento e do aumento populacional da área do Tabuleiro, com o grande número de habitações, o que provocou impermeabilização do solo, diminuindo a recarga do aqüífero global, ou seja, reservatório subterrâneo de água.Márcio Ândrei

Com o processo de impermeabilização, a água desce e aumenta a lâmina do rio, mas o liquido não se acumula para recarregá-lo durante o ano, o que acaba concorrendo para diminuir a quantidade de água. O desmatamento é outro fator preponderante”.

“Com relação a qualidade, na década de 80 a população era pequena na bacia, mas a população cresceu desordenadamente e ali se radicaram mais de seis mil pessoas, que não têm saneamento básico. Elas lançam dejetos diretamente no Silva. Esgoto sem tratamento. São jogados no Riacho do Silva esgotos de três pocilgas que despejam dejetos, comprometendo a qualidade sanitária com coliformes fecais, denunciou.Márcio Ândrei

Martiniano não acredita, apesar de tudo, que o Riacho desapareça do mapa. “É muito difícil o rio secar porque há um lençol freático que o abastece. Mas o rio vai continuar assim com a quantidade pequena de água e a qualidade comprometida. Daqui a uns dias, teremos não mais que um córrego”, advertiu.

Segundo o engenheiro agrônomo, atualmente o Riacho do Silva despeja 130 mililitros de água por segundo, enquanto no passado era entre 900 litros e 1.200 litros por segundo. “Para um curso d’água como o Riacho Silva isso é muito pouco. É como se fosse um cano d’água”, comparou.

“O Silva está na UTI”, lamenta líder comunitário

Márcio Ândrei Desde que se entende de gente, há 36 anos, o líder comunitário Ricardo Pereira se diz preocupado com a poluição do Riacho do Silva, uma vez que durante sua infância teve o prazer de brincar nas águas do curso d’água, e lançou uma rede de enfrentamento contra a poluição: o “Projeto Revitalizando o Riacho do Silva”. A ação teve início no dia 29 de outubro de 2011, em decorrência das chuvas que provocaram uma enchente em Bebedouro, invadindo e destruindo diversas casas, deixando rastros de devastação pelas ruas do bairro.

“Vendo toda aquela situação de destruição, pessoas perdendo móveis, enxoval de crianças recém-nascidas, outras perdendo a moral e o equilíbrio emocional. Diante disso, percebemos a necessidade de levantar uma bandeira de sustentabilidade ambiental, revitalizando o Riacho e educando a população através de uma política de educação ambiental para que não seja colocado lixo e despejados de esgotos no rio”, disse.Márcio Ândrei

De acordo com Ricardo Pereira, a degradação do Silva não só envolve o despejo de lixo domiciliar e de esgoto nos trechos do curso d’água como também o assoreamento, o desmatamento e a urbanização irregular no local. “O Riacho do Silva está sumindo e ninguém está percebendo. A população está crescendo rapidamente e tomando conta do leito do rio. Ele está se estreitando e ficando raso. Os moradores de Bebedouro só se dão conta do Riacho quando a chuva provoca vazão no rio. O Riacho do Silva geme como paciente terminal. É como ele estivesse na UTI (Unidade de Terapia Intensiva)”, afirmou.

Ricardo Pereira explica que depois da limpeza do Riacho, o projeto desenvolveria junto aos órgãos governamentais uma ação de monocultura para gerar renda para a população ribeirinha.

Das Neves ignora lixo e pesca tilapia no Silva

Márcio Ândrei Flagrada pela equipe de reportagem do site Primeira Edição pescando em um trecho bastante poluído do Riacho do Silva, próximo a entrada do Conjunto Residencial Jardim Petrópolis, a dona de casa Maria das Neves, de 63 anos, contou que duas vezes por semana vai tirar o complemento de sua alimentação no curso d’água. Com uma vara feita de bambu, um náilon amarrado em sua extremidade, Maria das Neves joga pacientemente a minhoca no anzol nas águas escuras do riacho, que cuja superfície se pode divisar grande quantidade de entulhos, como sacolas plástica, garrafas pets, partes de móveis, bem como lixo eletrônico boiando.

Márcio Ândrei

Maria das Neves tem quatro filhos e seis netos e é mais uma retirante do interior do Estado, que veio para a capital alagoana tentar a sorte. Há 15 anos vivendo em Maceió, a dona de casa mora no bairro Jardim Petrópolis, na Chã da Jaqueira. Ela contou que há cinco anos pesca no Riacho do Silva e que no passado a água era transparente e conseguia pegar até cinco quilos de peixe.
 

“Hoje não consigo nem pegar dois quilos. E o único peixe que a gente pesca aqui (no Riacho do Silva) é a tilapia”, disse Maria das Neves, que tinha a companhia do pequeno Sérgio Manoel Severo da Silva, de 11 anos, que pescava pela primeira vez no Riacho Silva.Márcio Ândrei

Questionada sobre o risco de poder contrair doenças consumindo o peixe do riacho degradado, Maria das Neves disse que não tem medo. “Em casa, eu coloco o peixe na água com limão e a bactéria morre. Até hoje nunca adoeci comendo o peixe daqui”, revelou conformada.Márcio Ândrei

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