Construtoras ignoram a lei e mudam a paisagem de Áreas de Preservação Permanente

Técnico diz que construções irregulares em APP são um dos grandes problemas enfrentados pelo Ibama; professor questiona licenças

27/04/2012 15:41

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Marcela Oliveira e Luciana Martins

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Privilegiada pela natureza, Alagoas é um estado rico em Áreas de Preservação Permanente (APP), em especial em sua zona costeira, onde há dunas, restingas, praias, Mata Atlântica, encostas e manguezais.

De acordo com o Código Florestal brasileiro, APP são áreas “...cobertas ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”.

Estas áreas são protegidas pela Lei Federal nº 4.771/65 (alterados pela Lei Federal nº 7.803/89), no entanto, elas têm sido preferidas pela expansão imobiliária já que no centro urbano os espaços desapareceram. O Chefe da Divisão Técnica do Ibama em Alagoas, Rivaldo Couto, revela que as construções em áreas de APP são um dos grandes problemas combatidos pelo órgão.

Para se ter uma ideia, no município de Maragogi, existem cerca de 30 construções em áreas de restinga e faixa marítima, sendo a sua maioria pousadas. Em Piaçabuçu as construções irregulares, 20 aproximadamente, são às margens do Rio São Francisco. “No final de fevereiro, autuamos um mega empreendimento que tinha construído um muro gigantesco dentro do Rio São Francisco. A obra foi embargada”.

O Ibama também tem atuado nos municípios de Marechal Deodoro, Barra de São Miguel e Maceió onde estão sendo feitos loteamentos e restaurantes em áreas de APP. No ano passado, em uma única operação no Vale Mundaú/ Manguaba, cerca de 200 empreendimentos foram autuados. “As áreas de APP têm sido ameaçadas e destruídas por construções irregulares. Atualmente, esse é o segundo foco principal de combate ao crime ambiental”.

As licenças

Para qualquer intervenção em APP, o interessado deve requerer autorização do órgão ambiental estadual competente, com anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de Meio Ambiente que verificará a viabilidade do empreendimento. Caso contrário, será considerado crime ambiental, passível de pena de detenção de três meses a um ano e multa de até R$ 60 mil, conforme dispõe a legislação.

Marcela OliveiraO curioso é que alguns empreendimentos conseguem obter supostas licenças ambientais, mesmo que seja evidente a depredação, conforme explica o chefe da Divisão Técnica do Ibama. “Alguns municípios emitem termos, geralmente de viabilidade ambiental, que não estão previstos na lei, o que induz o empreendedor ao erro. Mas, infelizmente, esse documento não será aceito. Viabilidade ambiental não existe na legislação”.

Sendo assim, por que esses termos são liberados? O técnico do Ibama responde com cautela: “Não temos elementos que possam afirmar se a emissão desses termos são feitos de má fé ou se por ignorância do órgão que emite. [...] Cabe ao MPE ou MPF investigar e punir. Alguns gestores já estão sendo indiciados por crime ambiental”, afirma ele sem querer citar nomes.

Quando é constatado o crime ambiental, o Ibama autua, multa e embarga a obra, sugerindo que seja demolida. O processo é encaminhado para o Ministério Público.


Casos reais

Marcela OliveiraEm dezembro do ano passado, a pedido do Ministério Público Federal (MPF), a Justiça concedeu uma liminar para que as obras do Loteamento Parque Brumas do Francês (nome comercial Reserva das Tartarugas) fossem suspensas e que o Instituto do Meio Ambiente (IMA) paralisasse quaisquer procedimentos administrativos referentes a este licenciamento.

De acordo com o relatório do Ibama, inúmeras infrações e crescentes impactos ambientais ilícitos que afetaram praias e terrenos de marinha, como o aterro de manguezais e faixas marginais de cursos d'água naturais foram cometidos pela empresa Nova Itália Construçoes Ltda. Houve a supressão de 5,7 hectares de vegetação nativa, em área de formação pioneira, de restinga, também inserida no Bioma Mata Atlântica, sendo efetuado ainda o corte raso de espécimes existentes, além da utilização de fogo.

A Ação Civil Pública movida pelo MPF aponta que o empreendimento jamais deveria ter sido licenciado, pois, se situa em Áreas de Preservação Permanente (restinga e manguezais, bem como a 300 metros da preamar máxima) e, se não bastasse, essas APPs ainda se encontram inseridas em duas Unidades de Conservação (APA de Santa Rita e RESEC de Saco da Pedra).

Na AL 101- Norte, a construtora de um condomínio que seria construído no topo do morro, em área de mata atlântica e na nascente do Rio Guaxuma, também teve as obras embargadas. Desta vez, pelo Instituto do Meio Ambiente (IMA). Contudo, a construtora ignorou o embargo e continuou a construção conforme flagraram ambientalistas da Organização Não Governamental Movimento Pela Vida (Movida). “A empresa realizou aterros nessas áreas. Quando chove, a terra desce e provoca o assoreamento do rio. Essa obra foi embargada, mas a desgraça já foi feita. E a recuperação? A gente precisa fazer alguma coisa urgente para segurar esse material que está descendo para o Riacho e está assoreando”, explicou o presidente do Movida, Fernando Antônio Veras.

Jéssica Pacheco

Prejuízos

O técnico do Ibama, Rivaldo, alerta que a não preservação de APP pode resultar em vários danos ambientais. “Impede a regeneração da mata ciliar, causa impacto na fauna, facilita a poluição, visto que eles (empreendedores) não seguem todos os ritos das exigências ambientais de esgotamento sanitário e jogam dejetos nos rios; áreas com funções ecológicas importantes deixam de exercer seu papel no equilíbrio ambiental da região, como por exemplo, na Barra de Santo Antonio, onde casas estão sendo destruídas pela força da maré”.

As Áreas de Preservação Ambiental promovem o equilíbrio ambiental. “Elas têm que existir como espaço protegido para não sofrerem impactos irreversíveis”.

O combate às construções irregulares em áreas de APP será permanente. O técnico afirma que há diversas operações programadas para este ano para coibir essa prática ilícita. E a população também pode ajudar denunciando ao órgão invasões por meio da linha verde 0800 61 80 80.

Descaso público

Luciana MartinsAndréas Krell, professor de direito ambiental da Universidade Federal de Alagoas, demonstra preocupação com relação às construções nestas áreas de preservação. “Estas obras são legalizadas entre aspas. Muitas prefeituras aprovam loteamentos que são no mínimo duvidosos”.

Na visão do professor, os problemas mais críticos estão no litoral Norte onde há construções de hotéis que invadiram áreas protegidas, bem como alguns loteamentos localizados na Praia da Sereia e no município de Paripueira. “Não se pode dizer que todos os loteamentos são irregulares, no caso do loteamento Morada da Garça houve um acompanhamento relativamente bem feito pelos órgãos ambientais”.

Segundo o professor, a análise da situação legal em alguns loteamentos no litoral - em relação aos manguezais e recuos - não foi bem feita e mais ainda "muitas vezes, as empreiteiras se antecipam nas construções, as quais acabam não sendo embargadas ou demolidas por causa da inércia dos órgãos de fiscalização ou das relações pessoais que alguns de seus integrantes mantêm com os próprios degradadores".

Na visão de Andreas, há falta de responsabilidade por uma parte dos órgãos públicos que atuam na área ambiental e urbanística. Ele reconhece a pressão por parte das empreiteiras que querem vender os apartamentos e não estão muito interessadas em relação ao futuro turístico e urbanístico de Maceió. “As empresas querem o lucro rápido, fácil e infelizmente tem alguns servidores públicos, até integrantes do Judiciário, que estão coniventes com esta situação e não atuam de forma devida, pois não aplicam a legislação vigente de acordo com a doutrina e a jurisprudência dominantes no âmbito da proteção ambiental e urbanística”. E acrescenta: “A situação em Alagoas hoje é essa: os órgãos ambientais são lentos ou não agem de forma devida nesta parte do litoral”.

Para ele é preciso se fazer um planejamento coerente e decente sobre estas construções para que, num futuro próximo, a paisagem do litoral alagoano não seja destruída.
 

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