Ausência de órgão para fiscalizar voo livre no Brasil preocupa entidades

Após extinção do DAC, em 2006, nenhuma organização herdou atribuição. Acidente com parapente matou turista baiana no Rio, no domingo (25).

02/04/2012 06:08

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G1

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A morte da turista baiana Priscila Boliveira, no último domingo (25), ao cair de um parapente na Praia de São Conrado, no Rio de Janeiro, colocou em discussão a responsabilidade pela fiscalização dos voos livres no Brasil. O país não possui regulamentação específica nem órgãos responsáveis pela fiscalização de pilotos e equipamentos usados nos saltos.

De acordo com a apuração do Fantástico, depois da extinção do Departamento de Aviação Civil, o DAC, em 2006, nenhum outro órgão oficial herdou essa atribuição. “Nós entendemos que também é uma obrigação da Anac controlar essa atividade. Naquele tempo [em 2006, com o DAC] havia uma regulamentação que exigia que o piloto tivesse um certificado e um atestado médico. Agora não há mais controle”, diz Flávio Oliva, vice-presidente do Comitê de Aerodesporto Brasileiro.

As entidades de voo livre também reclamam que não há fiscalização nas rampas e qualquer pessoa pode saltar levando um passageiro. “Se você chegar com o seu parapente e se atirar, ninguém pode lhe impedir teoricamente. Nem de se matar, nem de matar alguém”, diz Oliva.
Das 269 rampas conhecidas, apenas oito são fiscalizadas pela Associação Brasileira de Voo Livre. Ainda assim, ninguém tem poder para impedir o salto de pessoas não habilitadas. 

“Tem gente que mal aprende a voar e já começa a querer dar aula. Compra um equipamento de voo duplo e começa a voar. Esse é o perigo. Não temos como fazer nada. Infelizmente hoje a nossa realidade é essa”, afirma Marcelo Silveira de Almeida, presidente da Associação.

A Anac, Agência Nacional de Aviação Civil, confirma que esportes radicais, como voo livre, feitos com veículos não motorizados, ficam por conta e risco de quem decidir se aventurar. Os clubes de voo criam os seus próprios regulamentos.

Oliva destaca, segundo reportagem do Fantástico, o voo livre como atividade comercial “Existe o voo duplo, no Brasil e no mundo inteiro, que é um voo panorâmico, turístico, uma atividade comercial, mas não é esporte. Isto é transporte de passageiro”, diz.

De acordo com o Código Brasileiro de Aeronáutica, se o turista quiser fazer um passeio panorâmico de asa delta ou parapente, terá que ser de graça. Os clubes de voo, no entanto, encontraram outra forma de manter a cobrança.

O Ministério Público Federal também entrou na briga. Essa semana notificou a Anac. Em 2010, já havia determinado que a agência fizesse uma vistoria nesses clubes. Ela descobriu que eles burlam a lei, transformando turistas em alunos de uma aula só. Com isso, cobram pelo chamado voo de instrução, como se fosse uma aula inaugural do curso de novos pilotos.

Foi assim com o goiano Matheus Cecílio Ventura. Antes do voo, recebeu informações sobre segurança, conheceu o equipamento e saltou. Para o clube, Matheus é um aluno. “Eu pensava que era só um voo panorâmico. Não esperava que eu seria aluno. Eu esperava que eu ia chegar, receber umas informações básicas e voar com ele, pronto”, conta o empresário.
Sem fiscalização, nem os pilotos mais experientes estão livres do erro, como ocorreu com o voo de Priscila Boliveira. Ela voava com o instrutor, Allan Figueiredo, com 12 anos de carreira. E saiu com as correias de segurança abertas.

O clube de voo, que administra a rampa da Pedra Bonita, concluiu que Allan foi negligente e afastou o instrutor, antes mesmo de a perícia ficar pronta. Allan também foi indiciado por homicídio culposo, sem intenção de matar.

O advogado Aloir Zambrogno Filho, de Vitória, voou da Pedra Bonita no mesmo dia que Priscila e se acidentou na hora do pouso. Ele conta que só recebeu três minutos de orientações. “No meu pouso houve um imprevisto e as minhas pernas se cruzaram com as pernas do piloto. Na hora da passada do pouso, eu acabei tropeçando na perna dele e caí de joelho", conta.

As entidades de voo livre se sentem abandonadas e pedem que a atividade seja fiscalizada por um órgão oficial. “A gente precisa ter uma regulação específica para voo. A gente precisa separar o profissional que quer trabalhar com essa atividade e o profissional que voa como esporte, que é o atleta. A gente está um pouco abandonado, a mercê da sorte”, diz Marcelo, presidente da Associação Brasileira de Voo Livre.

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