“Não, Ficha Limpa não tem falhas e não deve ser revista”, diz Omar Coelho

Presidente da OAB reage à declaração do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal FEderal

12/03/2012 09:47

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Jornal Primeira Edição

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O presidente da OAB/AL, Omar Coelho de Mello, afirma discordar frontalmente do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, para quem a lei da Ficha Limpa tem falhas e deve ser revista pelo Congresso Nacional após as eleições deste ano. “Isso é uma atitude protecionista em relação àqueles que devem representar o povo”, assevera o líder dos advogados alagoanos em entrevista à repórter Luciana Martins, do PRIMEIRA EDIÇÃO. Ele diz que a lei não é punitiva, e sim normativa, pois apenas impõe requisitos para os que pretendam disputar mandatos eletivos. Omar aborda também o problema da corrupção no Brasil, a situação da segurança pública em Alagoas, destaca os 80 anos da OAB e defende os recursos jurídicos como instrumento em defesa dos direitos do cidadão.

O ministro Gilmar Mendes, do STF, vê falhas na Lei da Ficha Limpa e diz que o Congresso Nacional deve revisá-la. O senhor concorda?
Não. Discordo plenamente da visão protecionista que o ministro Gilmar Mendes tem em relação àqueles que têm o direito de representar o povo brasileiro. Não vejo na Lei da Ficha Limpa nenhuma violação ao direito do cidadão, apenas uma prevenção. É uma lei que traz requisitos para aqueles que irão nos representar, e para essas pessoas a gente não pode estender todas as garantias constitucionais que são dadas ao cidadão comum. A pessoa que se candidata, se pré dispõe a defender o interesse público, essa pessoa tem que ter mais do que uma condição normal de vida, ela tem que ter probidade inquestionável. Ele (Gilmar Mendes) disse que a Lei da Ficha Limpa é como uma roleta russa e que iria fazer várias vítimas. Essas vítimas, a meu ver, são transgressores e não representantes do povo.

É justo (e constitucional) aplicar uma mesma pena (inelegibilidade) para crimes leves e graves, como faz a Ficha Limpa?
É justíssimo porque, repito, não é a pena, são condições de admissibilidade. Você, para ser candidato, precisa atender aqueles requisitos; não atendendo, não é candidato. Portanto, não é pena. A pena seria puni-lo por alguma coisa e ninguém está punindo. Ele apenas não preenche os requisitos para representar o povo.

As regras da Ficha Limpa deveriam se estender para a nomeação de servidores comissionados nos três poderes e no Ministério Público?
Sem dúvida alguma. Defendo inclusive que todo e qualquer servidor público não deveria ter sigilo algum. Deveria ter suas contas abertas ao povo, deveria ter seu patrimônio declarado anualmente para poder dar transparência. O Brasil vive um momento em que a corrupção é um ônus elevadíssimo. Se não tivéssemos a corrupção que temos, nosso PIB (Produto Interno Bruto) estava aumentado em 70%, o que viabilizaria muito mais as condições da população brasileira, em especial dos mais carentes. No momento em que se conferem essas proteções todas aos servidores públicos, facilita-se exatamente a corrupção. Por isso, seria regra geral, transparência absoluta de todos os servidores, como deve ser na administração pública.

A OAB/AL poderia pedir informações aos tribunais e divulgar a lista dos alagoanos enquadrados na Ficha Limpa?
Poderia. Inclusive, na primeira gestão, tentei fazer o levantamento de todos os cargos comissionados do Estado, para detectarmos nepotismo cruzado, que é uma realidade. Mas não obtivemos êxito porque os poderes não encaminharam as relações dos comissionados.

O que há de novo nesse sentido?
Veja: o que impede que um candidato seja ficha limpa é a decisão dos Tribunais. Por isso, estamos aplaudindo a decisão do desembargador Sebastião (Costa Filho, presidente do TJ-AL) de mobilizar um grupo de magistrados para ajudar os juízes que conduzem processos de improbidade para que essas ações andem; e que, em andando, cheguem ao Tribunal e a Corte julgue e decida. Aí Alagoas começará realmente a ter um quadro de ficha limpa. Por enquanto, o que sabemos é que os fichas limpas e os processos de improbidade estão todos em primeira instância e processos em primeira instância não geram ficha suja.

Ainda o ministro Gilmar Mendes: ele revelou que em Alagoas há quatro mil homicídios sem inquéritos. Como resolver essa situação? Com mais delegados, mais agentes, mais policiais?
Na verdade Alagoas viveu um abandono crucial nessa área da criminalidade, na área de segurança pública. Em 2007, quando assumimos a OAB/AL, chegamos a ir a Brasília e tivemos uma reunião com o ministro da Justiça pedindo a federalização de nossa segurança. A proposta não foi aceita, mas o formato aconteceu com a união das forças em relação ao combate à criminalidade. Acredito que temos avançado muito, e com o coronel Dário Cesar à frente da Secretaria, creio que há condições de viabilizar a questão de segurança em Alagoas. O problema é que pelo período de abandono que tivemos e pelos recursos que são destinados à área de segurança pública, a evolução é lenta. Certamente há evolução. E quanto a essa informação do ministro, acredito que seja verdadeira porque inquérito era uma coisa que não se abria aqui e começou a ser aberto depois do Rubim (ex-secretário Paulo Rubim) e sua finalização é que continua deficiente. Ainda falta muita estrutura para a segurança pública funcionar regularmente.

Um naco considerável dos impostos arrecadados no Brasil vai para os ralos da corrupção. O que fazer para acabar com isso?

É o funcionário público denunciar o que sabe, porque ninguém mais que ele sabe das safadezas que ocorrem em sua secretaria, em seu setor de trabalho. Agora, vai denunciar a quem? Então, a gente precisa saber primeiro a quem denunciar e se essa denúncia vai ser levada adiante. E depois de levada adiante a gente tem que ter a resposta do Judiciário, que também não tem, por conta da morosidade nos trâmites processuais. E essa morosidade é que dá ensejo à impunidade, daí a corrupção desenfreada. Se a gente conseguir fechar esse círculo, a gente consegue diminuir a corrupção. É preciso mudar o sistema de atuação do Estado. Não é aceitável hoje que o Estado continue mantendo a mesma linha de funcionamento sem uma ligação direta com o povo e com os servidores. Na hora em que houver essa simbiose, a coisa funciona. O povo precisa entender que ele é que tem poder e os governantes têm que governar a seu favor.

A seu ver, o excesso de recursos jurídicos não concorre para perpetuar a impunidade no Brasil?
Não. Entendo que alguns recursos podem cair, mas a gente não pode deixar o cidadão sem direito a uma instancia superior. Na verdade o que emperra o Judiciário não é o número de recursos, mas sim, magistrados relapsos, falta de estrutura e de recursos (financeiros) para funcionamento. Não para pagar salários, mas para funcionamento. O CNJ fez um raio-x do Judiciário e o que mais focou foi a falta de gestão. O que temos é má gestão em relação ao Judiciário. Ou se muda a gestão, ou se faz uma reavaliação de tudo para dar eficiência, ou não se avança. Agora, não se pode de forma nenhuma ir em busca dessa rapidez tirando as garantias das pessoas. Se você é julgado injustamente por um magistrado, você tem que ter um direito a um recurso, a um tribunal e a mais um fora do seu Estado porque ninguém está livre de uma armação para tentar prejudicá-lo.

Como definir o papel da OAB/AL nesse momento em que a instituição está comemorando seus 80 anos?
Acredito que a Ordem dos Advogados, em Alagoas, assim como a nacional, é hoje a maior representante da sociedade civil no país. Por toda sua história de luta e, principalmente, por sua atuação durante o regime militar pós-64, quando a Ordem foi o grande esteio, a defesa daqueles que eram cassados e injustiçados pela revolução. Isso lhe deu credibilidade. Depois veio toda seu trabalho defendendo a afirmação dos direitos do cidadão e a própria Constituição reconheceu isso. Tanto que a OAB é a única instituição que tem alguns recursos que só outros poderes e órgãos do Estado têm. Daí porque a profissão de advogado é a única mencionada na Carta Constitucional. Ora, por tudo isso, a Ordem é essa fortaleza, pelo mister dos advogados, pelo seu trabalho em prol da sociedade.

O senhor tem sido avaliado como o melhor presidente da Ordem, nas últimas décadas. A que se deve esse reconhecimento?
A bondade dos amigos. O trabalho que realizamos aqui é como todos os outros que foram realizados, às vezes, com enfoques diferentes. Tentamos, na nossa gestão, ter uma atuação isonômica em cada área. Reafirmo: não há um advogado que não tenha procurado a OAB e não tenha tido seu problema resolvido, como não tem um problema do Estado envolvendo os poderes que a Ordem não tenha se manifestado, como não tem um problema da sociedade que a Ordem não tenha defendido. É esse tipo de ação, são esses três pilares que dão visibilidade à Ordem. Agora, a Ordem não é o presidente, mas um grupo de colegas que se dedicam nesse esforço voluntário para fazer com que Alagoas e a advocacia vivam dias melhores.

E a nova sede da OAB/AL, vai sair?
Vai sair. Confesso que nunca pensei que houvesse tanto anteprojeto antes de começar a colocar o primeiro tijolo. Desde o final do ano passado, a construtora já esteve em contato com o Conselho Federal, já estamos concluindo todos os projetos preliminares de fundação para então podermos assentar o primeiro tijolo. A sede certamente será inaugurada em dezembro deste ano, se Deus quiser.
 

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