Ficha Limpa: condenação a multa, produz inelegibilidade?

07/03/2012 10:13

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Redação

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A Ficha Limpa foi declarada constitucional, mas muita água ainda vai rolar sob a ponte. Há questões cruciais ainda não clareadas na Lei Complementar 135/10 (Lei das Inelegibilidades). Uma delas: aplicação de multa constitui pena condenatória capaz de sujeitar o réu aos efeitos da inelegibilidade?
O texto da Ficha Limpa fala de tudo – cassação, perda de cargo público por improbidade, violação à lei eleitoral, renúncia fraudulenta, crimes hediondos, contra o patrimônio público, contra a economia popular, a fé pública, e por aí vai – mas não trata de alguém que tenha sido apenas punido com multa.
O comentário se atém à questão da multa por se tratar de uma sanção abrangente, talvez a mais abrangente possível. Indaga-se, a propósito: um prefeito que tenha sido ‘condenado’ a pagar multa por descumprir prazo em norma fiscalizada pelo Tribunal de Contas, está inelegível? Mais: TC funciona colegiado de magistrados?
De outro ângulo: o político que foi punido com multa por haver, por exemplo, feito campanha eleitoral antes do prazo previsto na lei, está enquadrado na Ficha Limpa? Se a resposta for afirmativa, temos, no primeiro caso, uma legião de prefeitos e ex-prefeitos inelegíveis por multas aplicadas pelo TCU e pelos Tribunais de Contas estaduais e municipais.
No segundo caso, no lugar de prefeitos e ex-prefeitos, apareceriam personalidades de peso da política nacional como a presidente Dilma, o ex-presidente Lula, o ex-governador José Serra, o senador Aécio Neves – todos condenados a pagar multas por terem infringido a lei eleitoral ao longo de 2010.
Para os mais exigentes, esse é o fato, está-se diante de uma realidade inexorável decorrente de uma lei implacável em defesa da ética, da moralidade e da decência na vida política do País. Há até quem se exceda na teorização jurídica: se imposição de multa implica em inelegibilidade, inelegível está todo cidadão multado por infringir uma lei (a que normatiza o pagamento de contas de energia elétrica, por exemplo). Alguém ainda pode indagar: e os condenados a pagar multa de trânsito? Em um e outro caso, claro, há um exagero absolutamente descabido, injustificável
Adriano Soares, autor e mestre do direito em lide, qualifica a Ficha Limpa de ‘lei burra’, não pelo seu espírito norteador, não por sua proposta saneadora, mas por usar o mesmo remédio para males de graus diferenciados. Ou seja, a lei barra quem cometeu pequena infração, do mesmo modo que exclui o autor de crime hediondo. Claro que há de se considerar seu caráter normativo, reconhecido pelo Supremo Tribunal, mas se ela estabelece prazo para cumprimento de pena (oito anos de inelegibilidade), assume, então, ao menos na prática, indisfarçável caráter condenatório.
Dentro dessa linha de discussão não poderia ficar de fora o caso inusitado do governador Teotonio Vilela: no julgamento em que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) manteve seu segundo mandato, mas aplicou-lhe uma multa de R$ 10 mil, ele foi condenado ou absolvido? Na visão dos leigos, passou a ser uma questão de ângulo de observação: para os contra, ele foi condenado: para os prós, foi absolvido. O fato, inquestionável, entretanto, é que a ação interposta pelo ex-governador Ronaldo Lessa pedia a cassação de seu mandato (assim como o do vice José Thomaz Nonô) mas, no desfecho de um longo debate, o colegiado do TSE rejeitou-a quase que por unanimidade (6x1). Apenas, aplicou-lhe uma multa.

Primeira Edição © 2011