Ministro Crivella, o pescador de votos

03/03/2012 07:43

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Terra

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Dublê de parlamentar pelo PRB do Rio de Janeiro e pregador evangélico da Igreja Universal do Reino de Deus de tarimba internacional (herdada de seu tio Edir Macedo), o deputado/bispo Marcelo Crivella agora acumula também entre suas múltiplas atividades o cargo de Ministro da Pesca e Aquicultura por escolha da presidente Dilma e seus conselheiros políticos. O substituto dos petistas Ideli Salvatti e Luis Sérgio no comando da Pesca no Brasil pode ser acusado de muitas coisas, menos de não ser um sujeito franco.

"Não sei nem colocar uma minhoca no anzol", confessou o novo ministro na sua primeira entrevista depois de indicado para comandar os precários e tortuosos destinos do cargo que assume quando começa para valer a movimentação profissional no ano de decisivas eleições em mais de 5 mil municípios brasileiros.

É preciso reconhecer: na Radio Eldorado, do grupo Estado, Crivella foi de uma franqueza ainda mais desconcertante e irônica que a do super sincero, personagem famoso do ator comediante Luis Fernando Guimarães na TV Globo.

Conhecedor como poucos da arte da política clientelista no Brasil (um saber sempre precioso aos donos do poder da vez em tempos de eleições nos redutos de maior pobreza e abandono das grandes cidades e nos grotões mais miseráveis no interior no Norte e Nordeste, da Bahia ao Para, de Pernambuco ao Piaui), Crivella sabe bem: não há motivos para se preocupar com a sua falta de jeito para lidar com redes e anzóis, pelo menos no sentido literal.

Apesar do discurso de "severa" cobrança de qualidades técnicas e administrativas sempre na ponta da língua da presidente Dilma Rousseff para efeitos de retórica e marketing (ou simplesmente para inglês ver), Crivella sabe: o sistema espera dele, de fato, qualidades e espertezas políticas que dispensam as reais habilidades dos milhares de verdadeiros pescadores brasileiros espalhados pela larga costa do Atlântico ou pelas ribeiras dos rios - do Vale do São Francisco ao Amazonas.

Em tipos de papeis iguais ou parecidos com este que o deputado/bispo acaba de ser convocado para representar, Marcelo Crivella apresenta currículo invejável. Ele tem demonstrado notório saber ao longo de sua trajetória de vida e atividade política e religiosa.

Isso se estende desde as chamadas comunidades em morros do Rio de Janeiro até os recônditos mais pobres da África (onde o bispo passou uma década). Sem falar nos "kibutz" inspirados nas experiências de agricultura familiar exitosas dos israelenses e que o novo ministro da Pesca tenta há mais de uma década - sem grande sucesso - reproduzir em terras secas baianas, no chamado projeto Nova Canaã , na cidade de Irecê.

Coincidentemente ou não, um fato: este projeto no interior da Bahia patina sem praticamente sair do lugar na maior parte do tempo. Mas invariavelmente ganha inexplicável vigor e musculatura em periodos de campanhas municipais, a exemplo deste 2012.

Ano passado, Nova Canaã foi visitado pela presidente Dilma de passagem pelo Nordeste. Ao lado do governador Jaques Wagner, ela participou em Irecê de ato público com mulheres da região, para anunciar aumento nos benefícios do programa Bolsa Familia. O fato de maior repercussão nessa visita presidencial, no entanto, foi um encontro com prefeitos. "Amaldiçoado quem pensar mal dessas coisas", diriam os franceses.

Guindado "de surpresa" ao novo cargo, antes ocupado por dois petistas de carteirinha (Ideli Salvatti e o saco de pancadas petista preferido da presidente, Luiz Sérgio, que anuncia retorno à Câmara), Marcelo Crivella parece nem ligar para sua falta de habilidade e conhecimento sobre anzóis e minhocas.

O novo cara da Pesca no Brasil demonstrou - ao menos em sua primeira entrevista - estar inteiramente à vontade. Modestamente, ele considerou a sua nova função um aprendizado. Mas deixou claro que não chega ao governo Dilma de mãos vazias e sem voz, muito menos sem expectativas diante da alegada falta de importância do ministério que ele vai ocupar.

Isso, afinal de contas, não seria próprio de um parlamentar e muito menos de um religioso do mais alto escalão da igreja evangélica comandada pelo bispo Edir Macedo.

Na conversa da Radio Eldorado, o novo ministro do governo Dilma deu dicas precisas de seu papel de agora em diante, ao falar sobre a sua experiência com relação ao que chamou de espírito público. "Espírito público, político, de saber como as coisas caminham, resolver as controvérsias, eu diria sossegar as vaidades e egos, isso eu tenho boa experiência", declarou. Totalmente dispensável dizer mais. Russomano que se cuide em São Paulo!

Portanto, nada mais resta que reconhecer, alem das palavras do ministro, que o deputado/bispo Marcelo Crivella é um bom apaziguador de espíritos rebeldes e pescador de votos, principalmente no cardume que ele melhor conhece e domina: o evangélico.

Isso se verá provavelmente já a partir da semana que vem. A conferir.

Primeira Edição © 2011