Pesquisa científica “Territorialização, Violência e Poder” foi elaborada pelo estudante do curso de Geografia da UFAL Herbert Viera
Marcelo Alves
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Com a proximidade da disputa do maior clássico de futebol de Alagoas, entre CSA x CRB, marcado para o dia 14 de janeiro de 2012, às 17h, no estádio Rei Pelé, surge uma discussão que mexe com instituições como Ministério Público Estadual, Polícia Militar, Federação Alagoana de Futebol e causa preocupação aos maceioenses. O debate envolve às torcidas organizadas do Azulão e do Galo, as maiores do Estado.
Identificados como fenômeno social, as organizadas foram alvo de pesquisa científica do Laboratório de Estudos Agrários e Dinâmicas Territoriais (LEADT) do Instituto de Geografia, Desenvolvimento e Meio Ambiente (IGDEMA) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). O estudo mapeou os pontos de domínio de cada torcida, bem como os caminhos que percorrem antes de chegar ao Trapichão.
A pesquisa, que começou em 2010, resultou no trabalho intitulado “Territorialização, Violência e Poder – A ação das duas maiores torcidas organizadas na cidade de Maceió”. A pesquisa é de autoria do estudante de graduação do curso de Geografia da UFAL Herbert Viera dos Santos Lima, sob orientação da doutora em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP), Cirlene Jeane Santos. “Procuramos destacar a forma como os torcedores se apropriam do espaço urbano, transformando os trajetos em dias de jogos, em territórios, através de relações de ‘poder’ consolidadas pela violência, mudando as regras cotidianas e instaurando outra ordem devido às alterações de ânimos, nas ruas, bares e campos”, disse Herbert Vieira.
Na investigação, além da organização espacial e de territorialização das duas torcidas, o universitário identificou o ponto de concentração dos grupos e o significado dos seus símbolos. O mapeamento das torcidas foi feito através de pesquisas bibliográficas e de campo, isto é, acompanhando, in loco, a movimentação das torcidas, percorrendo junto com os integrantes das organizadas o percurso feito por eles durante os clássicos. Herbert Vieira revelou que as letras das músicas das torcidas e as pichações ajudaram a identificar alguns territórios de domínio do grupo.
Herbert Vieira explica que a regionalização da Mancha Azul na capital alagoana é feita em três grupos denominados Zona Norte, Zona Sul e Zona Oeste. Cada zona é formada por um conjunto de bairros. A região que mais tem bairros juntos é a zona oeste que é formada por 29 bairros. A zona sul é formada por sete bairros e a zona norte é formada por 12 bairros
“Para a Mancha Azul, uma ‘zona’ é um conjunto de bairros onde vivem grupos de integrantes, que por serem vizinhos e por utilizarem as mesmas linhas de ônibus que levam ao Trapichão. Eles ficam sempre juntos na arquibancada, surgindo laços de afinidade entre eles, criando uma identidade de grupo dentro de um grupo maior que é a torcida”, explica Herbert Vieira.
“Percebeu-se também que com essa subdivisão dentro da própria torcida, surgiu rivalidade interna entre seus membros, fazendo com que a diretoria parasse de confeccionar camisas e adesivos das diferentes “zonas”. Logo, esse ‘macro-zoneamento’ da cidade, feito segundo a lógica utilizada pela torcida, não segue princípios estritamente geográficos no agrupamento de seus membros”, afirmou.
O ponto de encontro das três zonas da Mancha Azul é o Centro da Capital, mas especificamente na Rua do Sol. Quando as três zonas se encontram no Centro de Maceió, aí dão início ao chamado “arrastão”, que segue até ao Rei Pelé. O universitário explicou que é durante o trajeto percorrido até o estádio que se presencia mais um caso de territorialização e de dominação.
Enquanto a Mancha Azul se divide por zona, a torcida organizada Comando Vermelho, identifica sua ocupação de território em Maceió através de grupos chamados “Pavilhão”. De acordo com o estudo cientifico, a Comando Vermelho possui nove pavilhões espalhados pela cidade. Na formação de um “pavilhão”, os principais elementos são a identidade com o lugar e a afinidade entre os membros que compõem o grupo.
“O ‘Pavilhão’ não será reconhecido apenas por bairros, dado que dentro destes são implantados conjuntos habitacionais e favelas onde vivem seus integrantes, que estão ali e que fazem parte de um determinado agrupamento da torcida, se envolvendo em suas atividades, sejam confrontos, defendendo seus símbolos e que merecem reconhecimento através do destaque que é dado a localidade onde vivem”, disse.
“A formação dos Pavilhões ocorre devido a falta de reconhecimento de um determinado grupo que representa uma localidade dentro do grupo em que está inserido, fazendo surgir entre seus integrantes o desejo de formar um novo”, disse. Herbert Vieira afirmou que, com isso, o novo grupo obterá reconhecimento por parte da direção da torcida e dos demais pavilhões sobre sua autonomia perante aos outros. “Em resumo um pavilhão se configura como um conjunto das localidades onde integrantes desta torcida vivem e mantém relações de afinidade, sendo que não estão distantes espacialmente. Porém é bom ressaltar que tal sua rival, a Comando Vermelho também enfrenta rivalidades entre seus pavilhões e dentro destes”, completou.
De acordo com a professora Cirlene Santos, em dias de clássico é mais nítido perceber o poder de dominação e ocupação territorial das organizadas na capital alagoana. Cirlene Santos explica que eles utilizam um tipo de dominação, que é chamado pela Geografia de “Território Móvel”, isto é, em um instante o grupo de torcedores se encontra em um determinado local provocando relação de poder e causando medo e instantes depois se transferem para outro ponto. Segundo Cirlene Santos, essa tática chega até a burlar o sistema de segurança implantado pela Polícia Militar em dias de clássico.
Por conta desse medo, os donos de estabelecimentos comerciais e os moradores fecham as portas, ficando apenas os torcedores nas ruas ocupando o território, onde eles cantam suas músicas que identificam o grupo. Quando surge a ação da Polícia Militar para conter os ânimos, os torcedores se dispersam e voltam a se reunir em outro ponto da cidade, realizando uma nova dominação. “Eles atuam de forma móvel e fluída e se apropriam de ruas, avenidas mudando a ordem e o cotidiano de determinados locais, principalmente com os chamados ‘arrastões’”, disse. “A forma como se identificam e se comportam, causa sensação de insegurança entre a população”, disse.
Ainda conforme a professora, as torcidas organizadas têm que ser entendidas pelo Estado como um fenômeno social. De acordo com Cirlene Santos, o enfraquecimento de instituições socializadores como escola, família e até partidos políticos contribuem para a migração dos jovens para as torcidas organizadas. “Atualmente, as torcidas organizadas têm um poder de atração forte. Nessa conjuntura, os jovens são levados ao desafio, à transgressão de regras, a romper limites e demonstrar força”, disse. Para ela, o Estado tem que estudar e encontrar formas de entender e administrar o fenômeno das torcidas organizadas que vão além dos muros de um estádio, mas atingem a escola e a família.
Herbert Vieira comentou que as torcidas organizadas usam “simbologias do poder”. “Os símbolos são meios utilizados pelas torcidas organizadas para, não só para identificar o integrante em meio aos torcedores gente as outras organizadas, mas demarcar ou firmar domínios sobre pontos da cidade em dias de jogos”, explicou.
“Os símbolos das Torcidas Organizadas são escolhidos dentro de três categorias: animais, personagens dos gibis e dos comics, quadrinhos de ficção, ou entidades fantásticas e divindades como dragões, morte, santos. O símbolo da torcida Mancha Azul se enquadra na categoria dos personagens dos comics que é o Mancha, vilão que nos estandartes da torcida tem a cor azul. Já na Comando Vermelho, o símbolo é a Morte, que se encaixa no grupo das entidades fantásticas e divindades”, disse.
De acordo com Herbert Vieira, os símbolos mais importantes de uma torcida são suas camisas, bandeiras, bateria e os gritos de guerra. Conforme o estudante, quanto maior for o bandeirão, maior será a ideia de poder, dominação que o grupo tentará passar para o rival. O universitário classificou os gritos de guerra em duas categorias: os intimidadores e os de auto afirmação.
CONFRONTO – Em relação aos confrontos, Herbert Vieira explicou que eles acontecem, principalmente, em regiões que margeiam o Rei Pelé, porque o local é uma zona neutra, ou seja, não é delimitada pela Macha Azul ou Comando Vermelho. “No Rei Pelé, o poder está em disputa.”, disse.
Herberte Vieira disse que as torcidas possuem uma organização que conseguem ter uma independência financeira que muitos clubes não conseguem ter. “Com a própria venda de camisas, bonés, chaveiros, entre outros objetos, as organizadas conseguem arrecadar recursos financeiros que arcam com as despesas”, disse. O universitário comentou também que os sócios das torcidas organizadas são mais fiéis do que os dos clubes e isso dá uma instabilidade financeira.
Primeira Edição © 2011