“Ficha Limpa é lei estúpida e será revista pelo Supremo”, diz Adriano Soares

Soares, considera ‘estúpida’ a lei da Ficha Limpa, por aplicar pena igual para delitos diferentes

09/01/2012 05:52

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Marcela Oliveira - Jornal Primeira Edição

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Numa entrevista exclusiva à repórter Marcela Oliveira, do PRIMEIRA EDIÇÃO ONLINE, em que abordaria centralmente a reforma das escolas da rede estadual, o secretário de Educação Adriano Soares comentou a lei da Ficha Limpa, ao considerá-la uma lei “estúpida” e sujeita à futura declaração de inconstitucionalidade. “É uma lei que pune faltas simples e crimes graves com a mesma penalidade, e isso é estupidez”. Soares comenta a vitória de Teotonio Vilela no Tribunal Superior Eleitoral (ele previra que não haveria cassação) e diz concordar com o presidente do TJ-AL, Sebastião Costa Filho, para quem os recursos jurídicos só beneficiam os mais ricos, mas observando: “Os pobres precisam, sim, de defensores públicos para terem a mesma assistência dos que podem pagar”. O secretário entende que a reforma das escolas sem licitação (lançada oficialmente na última sexta-feira, 6 de janeiro) não criará problemas para o governo e não prejudicará o ano letivo.

A restauração física de dezenas de escolas da rede estadual pode prejudicar o ano letivo?
Não prejudica o ano letivo. Vamos conseguir fazer a reforma com o ano letivo em curso. Vamos analisar as escolas caso a caso. Vai ter escola em que a reforma não vai atrapalhar nada. Vai ter escola que eventualmente vamos ter que retirar os alunos e colocá-los em outro lugar. Então não prejudica, mas significa mudanças. Quando você reforma uma casa, um ambiente, sai da normalidade. Vamos trabalhar com a direção das escolas e coordenadorias para que haja o mínimo de reflexo possível no dia a dia.

Quantas unidades estão sendo recuperadas e qual o prazo para a conclusão das obras?
163 unidades projetadas, em princípio. Prazo não depende só da Educação. Há processo sendo analisados. Se forem aprovados... Depois que tudo estiver adequado, vamos ver se em 4 ou 5 meses, no máximo, as escolas já estariam prontas. Mas dependerá muito da gente conseguir vencer as dificuldades burocráticas. No que diz respeito à educação temos sido rápidos. Não tenho prazos. Agora, a partir do momento em que contratos forem assinados, teremos prazos. Fiscalização será com muita transparência.

O Estado está investindo quanto nessas reformas?
R$ 40 milhões

A ausência de licitação, nesse caso, pode ocasionar problemas para o governo?
Não acredito. Porque a licitação é a regra, é necessária quando não tem situações que a dispensam. Estamos com a situação no limite. Eu preferiria fazer a licitação. Se tivesse tempo e se não tivesse risco de ninguém morrer faria a licitação tranquilamente. Acho que é sempre o melhor caminho da transparência. Como não é possível devido à urgência, elegemos como critério que o Sinduscon indicasse as empresas, que tivessem idoneidade, estrutura. Tentamos fazer com a maior transparência possível. Apresentamos nossa forma de trabalho a todos os órgãos de controle e combate à corrupção em Alagoas . Queremos que haja a maior fiscalização possível. Se tiver erro, se tiver falhas, nos aponte que a gente corrige.

Não temos compromisso com o erro. Agora, não podemos ficar numa posição, por medo, por comodismo , por inércia, deixar de fazer aquilo que é dever nosso fazer. Chega a um ponto que a burocracia passa a ser desculpa pra tudo: não fazer, não atuar, não dar resultados. Você me perguntou sobre prazos e eu respondi que não depende de mim, mas da burocracia. Veja que coisa complicada! Licitação não houve? Mas veja, se eu for fazer licitação quando é que eu termino? Então, é uma situação muito complicada. A gente está vivendo uma fase nessa questão da educação em que temos sido muito questionado, porque temos procurado ser ágil, e temos sido questionado porque os resultado não vêm logo.

Como se houvesse uma grande contradição: secretário, está muito rápido isso; secretário, está muito devagar. Nessas questões só tem um jeito: trabalhar com planejamento. Temos planejamento, temos tomado as decisões e estamos dispostos a arcar com todas as conseqüências pelas decisões tomadas.

Esse não seria o momento oportuno para a construção de um grande colégio estadual em Maceió? Isso marcaria sua gestão.
Seria. Seria muito interessante. Mas já temos uma grande estrutura que é o Cepa e está mal tratado. A gente precisa recuperar o Cepa. Eu queria marcar minha gestão não com uma obra física, queria marcar com outro tipo de resultado: com mudança na estrutura da educação. Que a gente pudesse ter resultados melhores na qualidade da educação. Se tiver avançado em termo de planejamento e resultado, me darei por satisfeito.

O senhor previu que Teotonio Vilela venceria a disputa com Ronaldo Lessa, no TSE, e aconteceu. O ex-governador embarcou numa aposta sem chance de êxito?
Tinha chance porque no processo eleitoral, numa disputa jurídica você sempre conta com o imponderável. Agora, ele embarcou num processo que nitidamente não teve nenhuma influência na eleição . Dizer que mil e poucas ovelhas mudariam o resultado do processo eleitoral é um absurdo . Na minha avaliação, entrar com um processo, discutir, exercer seu direito de espernear é legítimo, todo mundo tem. Do ponto de vista concreto da legitimidade, estava bem claro para nós, desde o começo, que eu repetidas vezes disse isso que o Programa Alagoas mais Ovinos não tinha condições de cassar mandato de nenhum governador. E vou mais além, a própria aplicação da multa dada pelo TSE (R$ 10 mil para Teotônio e R$ 5 mil para Nonô) mostra inclusive que não houve ilícito eleitoral propriamente dito. Houve uma mera irregularidade pelo fato de o programa ter sido executado num ano eleitoral, visto pelo TSE não como um mal em si, mas como irregularidade. Mostra que não houve abuso de poder econômico.

Na sua avaliação, mesmo respaldada pelo Supremo para valer a partir de 2012, a lei da Ficha Limpa ainda poderá ser questionada, por violar o princípio da presunção da inocência?
Olha, a lei da Ficha Limpa para mim é um engodo, um grande equívoco que a sociedade está aplaudindo porque não conhece matéria jurídica. E tem muita gente de boa fé defendendo a lei da Ficha Limpa, mas ela é uma lei equivocada, mal feita, uma lei em grande medida burra; é uma lei que exaspera as penas a tal ponto que o próprio Tribunal, futuramente, vai ter dificuldade em aplicar. Existe algo que é fundamental em qualquer lei que aplica sanção, que é a chamada dosiometria. A Ficha Limpa nesse sentido é estúpida (é a melhor expressão para essa lei), porque aplica a um fato de menor potencialidade e para um fato muito mais grave a mesma pena. Isso fará com que essa lei tenha que ser revista.

O Supremo vai ter grandes dificuldades em manter a constitucionalidade dela. Outro aspecto em que essa lei erra gravemente é que não se faz democracia madura com intuito punitivo. Questão democrática no Brasil passa pela educação, pela conscientização dos eleitores, passa por dar aos eleitores a condição de livremente escolherem seus candidatos. Então não vai ser por lei nem por decreto que a gente consegue isso. O melhor era ter uma lei, até nessa linha da Ficha Limpa, que tivesse sanções das mais simples às mais graves. Cito o caso do ‘Alagoas mais Ovinos’. Reconhece-se que houve uma irregularidade, mas foi tão pequena que o TSE só aplicou multa. Imagine se só tivesse uma sanção possível. O TSE entendesse que ali houve uma irregularidade pequena e tivesse que cassar e ainda aplicar inelegibilidade por 8 anos? Há uma tendência na prática jurisprudencial de essa lei ser mitigada, abandonada ou simplesmente esquecida. A lei teve um bom lobby, uma boa mídia que, infelizmente, acabou impedindo que houvesse um bom debate.

O presidente do TJ-AL, desembargador Sebastião Costa Filho, diz que os recursos jurídicos só beneficiam os ricos, ou seja, quem pode pagar. Como, a seu ver, resolver essa questão?
Acho que os recursos jurídicos beneficiam os cidadãos de modo geral. A crítica que o desembargador faz é pertinente no sentido de que é fundamental fortalecer as defensorias públicas. Ou seja, igualar as condições dos ricos à dos pobres. Os ricos poderão contratar seus advogados, os pobres precisam dos defensores públicos. O direito de defesa é sagrado. Ele é inerente ao estado democrático de direito. Quando a gente imagina fazer justiça limitando o direito de defesa, a gente está instaurando uma ditadura ou regime de exceção. Concordo em gênero, número e grau com a frase do desembargador. Entendendo isso como a necessidade de fortalecer a defensoria pública.

Por que a súmula vinculante (em sua concepção original) acabou sendo descartada?
Nem a lei no Brasil vincula, que dirá uma súmula. Quantas vezes os próprios tribunais mudam a interpretação de uma lei de um julgamento para outro? No Brasil isso tem acontecido demais. Temos vivido o tempo de insegurança jurídica. Vivemos problema estrutural que não é só do direito, é do mundo. É uma questão filosófica, o problema do ceticismo, do relativismo. Max já dizia que no capitalismo avançado tudo o que é sólido desmancha no ar. Então, lei se desmancha no ar, as instituições se desmancham no ar.

Que ideia o senhor daria para combater, com mais eficácia, o quadro de violência que se instalou em Alagoas?
Primeiro lugar: não tem fórmula mágica; segundo lugar: o quadro de violência de Alagoas não se resolve só em Alagoas, é um quadro nacional. Se você faz a pacificação, por exemplo, da Rocinha e do Alemão e não prendeu todos os traficantes que lá estavam, esse pessoal foi para onde? Pode ter vindo para regiões onde eles possam se criar. Nisso, Alagoas passa a estar nesse caminho. Tem que ter uma política nacional, uma política de fortalecimento da segurança pública como um todo. Não adianta colocar como secretário da Defesa Social o Rambo. Você não vai resolver nada. Importante é planejamento, é investimento, um processo gradativo.

O que é fundamental é uma política nacional de segurança pública, pois os estados sozinhos – já se viu – não têm condição de combater. O crime organizado não tem fronteira. O crime organizado em Alagoas é o mesmo que atua no RJ, em SP, que tem capilaridade, que se utiliza dos presídios como escola de criminalidade. O combate à violência em Alagoas passa por uma política nacional. Alagoas sozinha não combate. Pode atacar problemas específicos da violência, mas com certa dificuldade.

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