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É advogado.

É bom os valentões terem cuidado

06/03/2012 08:54

O Supremo Tribunal Federal julgou, no último mês de fevereiro, a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 4424, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República, que teve como núcleo de discussão a compatibilidade de dispositivos previstos na Lei nº. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) com a Constituição Federal.

Nesta Adin, postulou-se o reconhecimento da inconstitucionalidade dos enunciados que condicionam o início e a continuidade da persecução penal contra o ofensor à representação da mulher agredida e vítima da violência doméstica e familiar (inciso I, do art. 12 e art. 16).

Para a Procuradoria-Geral da República, a submissão do direito de punir do Estado (ius puniendi), única e exclusivamente, à vontade da vítima acaba acirrando os conflitos domésticos à medida que potencializa o efeito da impunidade na mente do ofensor, já que, mais tarde, a agredida pode vir a desistir do processo por medo de alguma represália, pela esperança de restabelecimento psicológico ou mesmo reconciliação com o parceiro.

Agora, segundo o teor da decisão que declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos combatidos, qualquer pessoa do povo poderá denunciar o agressor à autoridade policial e o início do processo criminal poderá ser proposto pelo Ministério Público, sem qualquer interferência da vítima da agressão. A ação penal passa a não ser mais condicionada à representação, transferindo o direito abstrato de ação ao representante do Ministério Público de modo incondicional.

Sabe-se que a história deste país e, porque não dizer, da própria humanidade pôs a mulher, ao longo dos tempos, em condição deprimente de coação moral e psicológica, com embaraços escancarados em sua livre manifestação de vontade, sobretudo no âmbito das relações conjugais.

De fato, a sujeição e a obediência ideológica impostas através de uma mentalidade semeada numa ótica patriarcal e evidentemente marchista impôs a mulher aos mais diversos abusos e humilhações, resultando em reiterada afronta a um preceito fundamental republicano e vetor sublime democrático: a dignidade da pessoa humana. Neste diapasão, e tendo o fito de identificar fatores de discriminação, dentro das relações sociais, o Direito pretende distinguir pela desigualdade, recompondo aspectos e circunstâncias atentatórias à integridade física, à honra e à imagem, decorrentes da violência doméstica e familiar, em efetiva proteção e segurança da mulher ofendida.

A reserva da mulher quanto à iniciativa e, posteriormente, ao prosseguimento do processo criminal, nestas hipóteses, mostrou-se extremamente insuficiente àquilo que buscou o legislador ordinário quando da edição da Lei Maria da Penha, mesmo em se verificando os casos de decretação judicial das conhecidas medidas protetivas de urgência.

Quase todos os dias são noticiados, pela mídia, fatos de violência física e moral às mulheres e estas vítimas passam, simplesmente, a constar em meros dados estatísticos de cunho objetivo, seja por falta do interesse superveniente da agredida na continuidade do processo, seja pelo descaso e desestrutura do aparato organizacional estatal de repressão efetiva à violência deste jaez, em todos os seus caracteres. E isto é publicamente evidente.

O Direito é senão resultado das necessidades e anseios da sociedade, retendo, em si, os valores axiológicos calcados em prevalência. Assim, em sintonia com adequações programáticas, o sistema normativo deve sempre acolher e se amoldar no sentido de satisfação plena, revelando a missão de corrigir distinções e apaziguar as tensões sociais.

O viés do entendimento esposado pelo Plenário do STF, na Adin nº. 4424, apresentou-se como socorro institucional de todas as mulheres vítimas de pressões e intranquilidades de ordem moral e ofensas físicas que, pela discrepância milenar movida pelo preconceito do gênero e pela vulnerabilidade – às vezes inconsciente –, sempre foram alvo do repúdio masculino, das mais diversas modalidades de torturas e maus-tratos, além de uma exclusão vexatória descabida e sem o mínimo de propósito.

A importância da Lei Maria da Penha, enfim, começa a ser desenhada em seus verdadeiros contornos, protegendo a mulher de seus próprios medos, temores e traumas, e elevando-a, indubitavelmente, como peça derradeira de promoção constitucional de assistência e veto a todas as formas de violência no âmbito de suas relações familiares (§ 8º, do art. 226, da CF).
 

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A má educação de trânsito no carnaval

24/02/2012 05:40

A volta do carnaval pelas vias de acesso da rodovia AL-101, sobretudo nas mediações da Ilha de Santa Rita, é um teste rigoroso de paciência aos maceioenses. Aliás, todo período de festas, que se acompanha de feriadão, tem o mesmo enredo de filme de terror e de muito mau gosto, consumindo a tranquilidade dos bons condutores que obedecem às regras de trânsito.

Para arrematar com um tiro de misericórdia, esses motoristas de bom senso e de consciência cívica ainda têm que tolerar, sem merecer, abusos descabidos e a total falta de respeito de alguns condutores caras-de-pau que, desprovidos de mínima educação doméstica, apressam-se com ultrapassagens ilegais e toda a sorte de disparates automotivos como se estivessem assim atrasados para o embarque de um imaginário trem das onze ou mesmo de um trem da alegria.

É um absurdo – senão trágico – o que se presencia nessas ocasiões: ultrapassagens proibidas pelo acostamento (art. 202, do CTB), pela contramão (art. 203, do CTB), operações de retorno em locais não permitidos (art. 206, do CTB), omissões deliberadas na preferência de passagem a pedestres – incluídos, nesta categoria, os portadores de necessidades especiais, crianças, idosos e gestantes (art. 214, do CTB) – e tantas outras infrações análogas previstas no Código de Trânsito Brasileiro (CTB).

É de conhecimento público as inúmeras infrações de trânsito cometidas por condutores (irresponsáveis e despreparados), muitas vezes potencializados pelo efeito infausto do álcool e até mesmo de outras drogas ilícitas, que se distanciam gradativamente dos olhos fiscalizadores do Poder Público.

Nas rodovias, a regra é que tudo se pode; o que não se pode é ficar para trás. São estes os reveses cotidianos que se incutem naturalmente na massa como referência de conduta. É lamentável.

Neste contexto, o que sobra é a inoperância flagrante e decaída das autoridades públicas, em especial das polícias ostensivas, em coibir que práticas deste feitio se repitam, com a constância do dia e a da noite, sem qualquer ação inibitória e, o pior, à beira da iminência do risco de vida de inúmeros cidadãos que apenas desejam voltar a seus lares e que, sobretudo, conservam as mais elementares regras de convivência social.

A boa vontade e a paciência alheia têm limite e é importante que você sabia disto, mau condutor!

Enfim, se cada conduta infringente – como se vê, de maneira banalizada, nas estradas e rodovias deste expiado Estado – fosse penalizada com o rigor da lei, com a imposição de multa e outras medidas administrativas constritivas (remoção do veículo e recolhimento do documento de habilitação, por exemplo), além de atitudes sérias, comprometidas e desvencilhadas do velho apego ao jeitinho brasileiro de se resolver as coisas, não se haveriam o corriqueiro descumprimento a regras e o comodismo hiperbólico em consentir que leis restem esvaziadas tão-somente em seus enunciados linguísticos.

Que a evolução natural do homem resulte na mudança concreta de seus comportamentos e que a educação e civilidade imperem, integralmente e com firmeza esperada, neste antitético reino dos seres pensantes – ou nem tanto, quem sabe.
 

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ADIn nº. 4638: confirmação do CNJ como órgão legítimo de correição

16/02/2012 07:34

O Plenário do Supremo Tribunal Federal enfrentou, no início deste mês, a ADIn nº. 4638, proposta pela Associação dos Magistrados do Brasil, que pôs em discussão e análise de compatibilidade constitucional o art. 12, da Resolução nº. 135/2011, do Conselho Nacional de Justiça.

Pelo objeto da demanda, a AMB postulou a declaração da inconstitucionalidade do dispositivo por entender não ser admitida a iniciativa e incursão em procedimentos administrativos disciplinares de juízes pelo Conselho Nacional de Justiça em competência concomitante e concorrente com as demais Corregedorias dos Tribunais de Justiça. De acordo o cerne do pleito, a competência do CNJ estaria adstrita apenas à instância de revisão na apreciação dos feitos deste gênero, haja vista o encargo ordinário das Corregedorias para apreciação dos procedimentos relacionados à apuração de responsabilidade e imposição de penalidades.

A redação do caput (ou cabeça como costuma denominar o Min. Ayres Brito) do art. 12, da mencionada Resolução, prevê que cabe às Corregedorias a incumbência da propositura de processos disciplinares em face dos magistrados vinculados ao próprio Tribunal, “sem prejuízo da atuação do Conselho Nacional de Justiça“. Foi, nesta última parte, que pairou a controvérsia.

Embora a insurgência da AMB, o STF acabou decidindo, em placar apertado de seis a cinco, pela admissibilidade de atuação da CNJ de maneira originária e concorrente, em todas as ocasiões que assim demandarem. O forte argumento se consubstanciou na prerrogativa, conferida pela Emenda Constitucional nº. 45/2004, de zelar pelo bom funcionamento do Poder Judiciário pátrio, sua incolumidade moral e da repercussão de sua credibilidade institucional frente aos anseios da sociedade, sendo auto-aplicável os comandos insertos no § 4º, do art. 103-B, CF, ou seja, sem necessidade de qualquer regulamentação pelo legislador derivado.

De fato, amigo leitor, é cediço que, em se tratando de aplicação de penalidade entre pares, a coisa muda, e como muda. A ausência de correição ou mesmo sua ineficiência faz com a efetividade jurídica e o sentido de juridicidade filosoficamente perquiridos se lancem o para espaço – para um espaço bem muito distante –, mantendo, com mácula de uma pena perpétua, arbitrariedades, abusos de poder e ilegalidade em um universo de homens que, pela outorga constitucional, exercem a função pública de dizer e explicar o Direito aplicável na solução das contendas.

Os penalizados acabam sendo os jurisdicionados que, neste contexto, restam a reboque de uma impunidade nefasta que concede poderes metafísicos a juízes, somatizando a síndrome (já inerte à classe) da bendita juizite que tanto combate a envergadura e importância social que permeia o Poder Judiciário.

Dentre outros pontos analisados, foi interessante também o entendimento da impossibilidade do afastamento preventivo de magistrados. Pela decisão que afastou a aplicação do § 1º, do art. 15, da Resolução nº. 135/2011, do CNJ, os juízes não poderão ser afastados, preventivamente, antes da instauração de procedimentos administrativos disciplinares por desvios de conduta ou funcionais.

O trecho normativo previa o afastamento de Magistrados “quando necessário ou conveniente a regular apuração da infração disciplinar” mesmo sem a existência de processo investigativo formal. É bem verdade que tal dispositivo suplantava o texto constitucional à medida que legitimava a aplicação de sanção antecipada, afrontando aos ditames de ampla defesa e devido processo legal, além do reflexo na presunção da inocência do acusado.

A decisão do STF, nesta questão, privilegia, inquestionavelmente, garantias fundamentais do cidadão, insculpidas no esteio constitucional, que nada são do que resultados da evolução e humanização dos direitos individuais frente aos devaneios e excessos históricos do Poder Estatal.

No final, percebe-se que a Corte Magna deste país confirmou a essencialidade de um órgão que surgiu para fortalecer a estrutura, dando-o nova estética e roupagem, do Poder Judiciário como uma instituição nobre e indispensável à pacificação social em todas as suas dimensões, sagrando o CNJ com a grandiosidade de um colegiado isento, imparcial, desapegado dos arcaicos e imprestáveis ranços da magistratura nacional e destinado, verdadeiramente, à vigília perene da atuação jurisdicional neste país e dos respeito aos direitos contemplados sob égide do pacto republicano.
 

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A vinculação jurídica dos atos dos empregados e a obrigação de indenizar

01/02/2012 11:17

É evidente, no país, que as empresas estão tomando mais cuidado na seleção e escolha de seus colaboradores. Com a multiplicação de relações e do campo de obrigações jurídicas, a diligência na admissão de empregados, serviçais e prepostos representa comportamento extremamente indispensável, significando, de fato, etapa preambular que toda empresa deve empreender como condição para a contratação de pessoal.

Os efeitos de uma má escolha de colaboradores reúnem o potencial de implicar muita dor de cabeça aos empregadores, principalmente em se cuidando da esfera obrigacional e financeira.

Com este pano de fundo, o presente arrazoado pretende expor os desdobramentos jurídicos que podem ocorrer a partir de uma conduta ilícita (na acepção civil) realizada por empregados e o dimensionamento de sua repercussão ao empregador.

Pois bem. Os atos praticados pelo empregado, por força da natureza do liame jurídico, externam-se como conduta do próprio empregador. Pela forma como se apresenta o empregado na relação específica com o terceiro – o cliente, na maioria das ocasiões – , a legislação estabelece a pertinência deste comportamento com a finalidade de importar representação à pessoa empregador, vinculando-o, sobretudo nas hipóteses do dever de indenizar.

Neste compasso, a responsabilidade civil do empregador, perante terceiros, por comportamento lesivo de seus empregados, serviçais e prepostos está prevista no art. 932, III, do Código Civil. A regra disciplina o ato lesivo praticado pelo empregado durante a jornada de trabalho, no exercício da atividade típica que lhe foi cometida pelo empregador, ou outra que as partes contraentes convencionarem. Segundo o dispositivo legal, o empregador, neste caso, responde de maneira objetiva, ou seja, independe da demonstração de dolo ou culpa (imperícia, imprudência ou negligência) do empregado no desempenho das funções delegadas.

Para efeito de configuração legal da qualidade de empregado, é indispensável que o mesmo esteja sob vinculação de um contrato. É através deste enlace jurídico que pessoas exercem funções subordinadas, no interesse e sob ordens e instruções dos empregadores, os quais têm o dever de fiscalizá-las e vigiá-las para que as mesmas se procedam com a devida segurança, de modo a não causar dano a terceiros. Como se vê, é um conceito emprestado da Consolidação das Leis Trabalhistas e pressuposto ontológico para a evidenciação da relação de emprego e para, quando necessário, a constatação e aplicação do instituto da responsabilidade civil.

Em sendo assim, importa que o ato ilícito do empregado tenha sido executado ou praticado no exercício do trabalho subordinado, caso em que o patrão responderá em regra, mesmo que não tenha ordenado, ou até mesmo proibido o ato. A doutrina destaca a subordinação hierárquica, explicada como a condição de dependência e compreendida como situação daquele que recebe ordens, sob poder ou direção superior.

O ordenamento jurídico impõe, nestes contornos, a obrigação de indenizar caracterizada pela má escolha do empregado ou preposto. Essa culpa é oriunda da má escolha de uma pessoa para desempenhar determinada tarefa ou serviço (o que a doutrina convencionou classificar como culpa in eligendo). Segundo a Civilista Maria Helena Diniz (DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 723.), esta responsabilidade “advém da má escolha daquele a quem se confia a prática de um ato ou o adimplemento da obrigação”.

Ademais, a culpa do patrão ou empregador é presumida, conforme entendimento já sumulado pelo Pretório Excelso (STF). É o que preconiza a Súmula nº. 341: "É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto”.

A cautela no processo de seleção é, portanto, um dos pontos que merecem a total relevância por parte do empregador, aliada, é claro, ao dever de fiscalizar, orientar e coordenar continuamente os atos de seus subordinados. Pode ainda, na hipótese de condenação judicial por danos morais ou patrimoniais decorrente de condutas dos empregados, o patrão ajuizar de ação regressiva em face do colaborador para reaver o que pagou injustamente, além de constituir motivo para a dispensa por justa causa.

Dica de leitura complementar: http://blogdosempreendedores.com.br/2009/09/04/como-pequenas-empresas-podem-escolher-funcionarios/

* Segundo o Enunciado nº. 451, da V Jornada de Direito Civil: 451) Arts. 932 e 933. A responsabilidade civil por ato de terceiro funda-se na responsabilidade objetiva ou independente de culpa, "estando superado o modelo de culpa presumida". O texto e, especialmente, a Súmula mencionada devem ser interpretados à luz desta nova compreensão. 
 

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Vizinhos: por que aturá-los?

23/01/2012 09:42

A vida e seu modo de compreensão, impostos pela organização em sociedade, têm seus ônus e eles não são poucos. A titularidade de direitos atrela-se, irremediavelmente, à imposição de deveres. Neste ponto, os direitos de vizinhança concentram, no estudo relações jurídicas entre confinantes, evidente realce, merecendo a atenção a fim de permitir que a convivência se torne mais amistosa e desembaraçada entre todos.

Não há direitos absolutos, no sistema legal brasileiro, intangíveis de restrição ou limitação. A forma por que se exerce tais liberalidades é regulada pelo Direito que, ao mesmo tempo em que as concede, enquadra essas faculdades individuais de modo que não haja excessos ou abusos. A busca pela harmonia e pela perenidade do pacifismo constitui o propósito do Direito. Não há dúvidas disto.

A lei encerra a sua razão de existir para estabelecer aquilo que possui, de fato, importância e interesse aos indivíduos, disciplinando suas relações e interesses como forma de abrigar, com o fomento devido, os arranjos interpessoais firmados a partir do (fictício) consenso coletivo e da consecução de paz social.

Com este sentido e de maneira bem basilar, a acepção de direitos não subsiste dissociada do acervo de deveres e obrigações positivados pelo sistema legal. Assim, em se verificado extrapolação dos limites no exercício regular de direitos, ilícita será a conduta, nascendo para aqueles lesados a legitimidade de fazer cessar o prejuízo e suas consequências. A ninguém é dado do direito do desconhecimento da lei (art. 3º, da Lei de Introdução ao Código Civil), razão pela qual todos devem exigir-se ao cumprimento dos comandos normativos, objetivando firmar o respeito mútuo dentro do universo de faculdades.

De acordo com Miguel Reale, essa noção é entendida pelo o que se denomina de Bilateralidade Atributiva: “Proporção intersubjetiva em função da qual os sujeitos de uma relação ficam autorizados a pretender, exigir ou a fazer, garantidamente, algo” (Reale, 2001). Por seus significados, fica evidente o caráter sinalagmático da relação mesmo que numa situação oriunda diretamente da lei (constituição ex lege). Formata-se, como se vê, pela reciprocidade – alcança todos, criando igualmente direitos e obrigações.

Deste modo, independentemente de qualquer manifestação de vontade, e considerando as múltiplas e hipotéticas relações jurídicas – já que concebidas à luz da ideia do pacto social e assentadas filosoficamente pela dimensão de Estado de Direito – as leis agem de maneira cogente e imperativa, devendo os indivíduos observá-las na condição de resultado da intenção normativa, sob pena de se punir pelo descumprimento do preceito legal. É o que prega a Teoria da Coercibilidade, estudada por Reale.

Com as desculpas ao amigo leitor pelas considerações de ordem técnica – mas indispensáveis – importa esclarecer que a relação com o seu vizinho navega por estas linhas de compreensão. São relações que pressupõem a lei, disciplinando esta o uso da propriedade e sua repercussão nos direitos inerentes ao status de confinante.

Segundo conceito dado por Civilista Silvio Rodrigues, os direitos de vizinhança são “limitações impostas pela lei às prerrogativas individuais e com o escopo de conciliar interesses de proprietários vizinhos, reduzindo os poderes inerentes ao domínio e de modo a regular a convivência" (Rodrigues, 2003). É claro, aqui, o significado dos contornos do direito intimamente adstrito à ideia de dever. Na mesma moeda em que estabelece liberalidade, institui obrigação revelada pela limitação determinada legalmente.

A partir desta conjuntura, na fruição do bem, não pode o dono extrapolar os limites do tolerável, atuando em flagrante excesso ao sentido constitucional conferido pela função social da propriedade. Atos que atentam contra a incolumidade particular e a normalidade da vida são bastante comuns nos tempos atuais. Não são poucas as condutas que agridem, sobremaneira e com uma inconveniência surreal, direitos alheios como a segurança, a saúde e o sossego.

Na maioria dos casos, o sossego é aquele mais molestado e suscetível de toda a sorte de perturbação por ruídos exagerados e algazarras de natureza das mais diversas. Com a finalidade de regulamentar, com as devidas limitações, o uso da propriedade, promovendo que a convivência entre vizinhos se instale e se permaneça sempre harmoniosa, a legislação brasileira estabelece obrigações mútuas a fim de propiciar, com efeitos concretos, tranquilidade, descanso e restabelecimento das energias consumidas pelo trabalho.

O Código Civil preconiza, no contexto, o direito ao proprietário ou ao possuidor de prédio em fazer cessar interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde daqueles que o habitam, em razão da utilização excessiva e do abuso do uso da propriedade vizinha (art. 1.277, do CC). O mau uso da propriedade, portanto, é condenado, possibilitando ao lesado o manejo das vias judiciais para obter a interrupção do dano ou até mesmo o seu impedimento pela ameaça.

Como direito natural, o sossego – que é tão desconsiderado pelo modernismo vigente – deve ser protegido em face da utilização inadequada e abusiva dos bens postos à disposição hoje em dia. O Estado deve promover a melhoria da qualidade de vida da população, implementando políticas de conscientização do uso racional da propriedade e combatendo, com rigor, conflitos que poderiam ser evitados simplesmente pela educação.

Caso o leitor se sinta prejudicado por barulhos excessivos de vizinhos – em especial de postos de combustíveis que permitir, à omissão descarada, a perturbação ao sossego alheio – a Secretaria Municipal de Proteção ao Meio Ambiente (Sempma) pode, administrativamente e com fundamento do Poder de Polícia, ajudar com medidas de controle e fiscalização quanto ao uso anormal da propriedade, restringindo os poderes inerentes ao domínio e as prerrogativas de dono. Ainda, pode o leitor propor diretamente ação judicial, requerendo a interrupção dos atos atentatórios à incolumidade particular, se assim desejar.

Secretaria Municipal de Proteção ao Meio Ambiente (Sempma):
Telefone: 3315-4735/3315-4736
E-mail: sempma@maceio.al.gov.br
 

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Primeira Edição © 2011